sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O NOSSO DECLÍNIO VESTE PRADA


O nosso declínio veste Prada
09 Fevereiro 2012 | 23:30
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
 

No fundo, a Europa sente-se humilhada. Tornou-se a anedota do mundo. Está falida, falhada e fechada na cave onde já foi feliz. É a China, é claro. É a China, é o Qatar, são as prodigiosas ditaduras petrolíferas. E é, em Portugal, o Brasil e Angola. Sim, Angola, como bem disse Martin Schulz. A Europa está a ser comprada, Portugal está a ser vendido. A propriedade. E um modo de vida.
No fundo, a Europa sente-se humilhada. Tornou-se a anedota do mundo. Está falida, falhada e fechada na cave onde já foi feliz. É a China, é claro. É a China, é o Qatar, são as prodigiosas ditaduras petrolíferas. E é, em Portugal, o Brasil e Angola. Sim, Angola, como bem disse Martin Schulz. A Europa está a ser comprada, Portugal está a ser vendido. A propriedade. E um modo de vida.

Há dois dias, o embaixador José Cutileiro aqui escrevia: desde 1890 que não se via fervor patriótico generalizado como este. Outro inimigo externo, o (também credor) britânico, unira-nos na nossa desgraça contra o vilipêndio e a subjugação. Uns vinte anos antes, Antero de Quental proclamara as "causas da decadência dos povos peninsulares". Essa geração, a de Antero e Herculano, pasmaria com o que passámos a chamar de declínio. Ou talvez não.

Já voltamos a Portugal, comecemos pela Europa. Há mais de uma década que previmos a emergência de pelo menos quatro países, os então BRIC. Nunca topámos na probabilidade simultânea do nosso próprio declínio. Nós, os do mundo ocidental, vivíamos em luxuosos castelos financiados por um sistema financeiro que capturou a política, que por vício ou cegueira se aninhou fascinada com esse novo progresso. Não o agrícola, não o industrial - o financeiro.

Esse deslumbramento alimentou essa espécie de aristocracia de "club". E assim a Europa não se abriu, cometendo o possível erro histórico de excluir a Turquia. E assim a Europa não se uniu, vetando constituições federalizantes. E assim a Europa, a maior economia do mundo, se manteve uma soma de pequenas unidades políticas.

Quando há três anos o G20 se reuniu em Londres, os europeus perceberam que a reunião era histórica e receberam eufóricos Barack Obama como uma estrela de rock, na primeira viagem do presidente ao nosso continente. Foi mesmo uma reunião histórica, mas por outra razão: O senhor Hu Jintao passou da fila de trás para o centro da fotografia. O regime comunista foi agraciado, o comércio fora aberto, os direitos humanos e a democracia tornaram-se uma circunstância. As razões? Económicas.

O FMI vai pedir dinheiro ao Brasil para a Europa, a Europa suplica apoio à China. Depois, fica incomodada com esse dinheiro se, em vez de ajuda, é investimento. A ingenuidade é enternecedora. O caminho não tem retorno. A Europa é o aristocrata falido que começa a vender os ouros com enfado e acaba a pedir um abrigo digno a quem lhe compra a casa hipotecada. Só agora é que se apercebeu da evidência? A China pode tornar-se a maior potência mundial ainda nesta década.

Agora Portugal. Sem proselitismos, entronizámos o investimento chinês. Ainda bem. E procuramos salvação nessa geografia que é a lusofonia, que tem no Brasil e em Angola (e doravante em Moçambique) o destino das nossas necessidades e ansiedades. Ontem, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, falou de Angola, e fez bem. Fez muito bem.

Só uma ferida aberta dói quando se lhe põe dedo. Angola é uma oportunidade e é um problema. A oportunidade é o investimento, a exportação, o comércio, o dinheiro. O problema é a opacidade dos investidores, atrás de cortinas impenetráveis baseadas em paraísos fiscais financiados por bancos portugueses. O problema são os desequilíbrios políticos, as contrapartidas, a falta de vistos e de pagamentos. O problema é a forma pacata e temente como vemos Angola comprar os centros de poder da banca e da comunicação social sem um só pronúncio de exaltação. Há demasiado medo em fazer perguntas a outros que não hesitamos em fazer a nós mesmos. De onde vem o dinheiro? Ao que vêm? Deviam ser perguntas simples, não ofensivas.

O investimento estrangeiro, chinês e angolano é bem-vindo desde que cumpra as regras de dignidadade humana e social pelas quais lutámos neste continente em declínio. Não, não é um problema de aristocracia, é um problema de democracia. Quando não há democracia, só sobra a ética.


psg@negocios.pt

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