quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ATÉ QUANDO, CATILINA, DEIXARÁS DE ABUSAR DA NOSSA PACIÊNCIA?

Meus amigos:

Não podemos fugir a esta realidade. Cada um reage à sua maneira. Eu reajo deste jeito e importuno os amigos até quando me façam ouvir o célebre brado de Cícero: «...até quando, Catilina, deixarás de abusar da nossa paciencia?»

José Frazão


O CONSENSO DE WASHINGTON

Quem viu e ouviu, ontem, na RTP1,a entrevista do ministro das finanças, terá notado como ele balançou olimpicamente entre a incerteza, quando respondia à questão de saber se haveria no futuro mais medidas de austeridade, e a certeza quando afirmava o êxito das medidas inscritas no orçamento de 2012.

Foi um exercício arriscado, tendo exibido alguma habilidade para contornar as dificuldades e afeiçoar a verdade dos factos de modo a confortar as suas posições, como por exemplo quando afirmou que a receita preconizada pelo Consenso de Washington (vulgo neoliberalismo) produziu bons resultados em todos os países onde o FMI foi convidado a intervir, à excepção de alguns países onde os fracassos foram espectaculares.

Ora esta visão da história das intervenções do FMI é uma fantasia sem correspondência com o verdadeiro balanço dos acontecimentos, porque, na realidade, os êxitos constituíram a excepção e os fracassos a regra. Quem o afirma é o prémio Nobel da Economia de 2001, Joseph E. Stiglitz, no seu livro GLOBALIZAÇÃO, A GRANDE DESILUSÃO. (Ed. Terramar, 2002).

De facto, o FMI tem no seu historial um repositório de fracassos das políticas de austeridade e do equilíbrio orçamental; fracassos derivados da aplicação fundamentalista de receitas erradas em conjunturas recessivas. Infelizmente o FMI parece não ter aprendido a lição, embora por vezes tenha sido obrigado a reconhecer os seus excessos. Eis o que acerca disso nos disse, Stiglitz:
Hoje, o FMI admite que a política orçamental recomendada foi demasiado austera. Ela agravou a recessão muito para além do que era necessário. Contudo em plena crise, o primeiro-director-executivo adjunto do FMI, Stanley Fischer, escreveu no Financial Time que o FMI apenas pediu aos países que tivessem o orçamento equilibrado.
Há sessenta anos que nenhum economista responsável exigia que numa economia em recessão existisse um equilíbrio orçamental.

Apesar de uma política orçamental expansionista ser uma das poucas maneiras de sair da recessão e da administração se opor à emenda do equilíbrio orçamental, o Tesouro e o FMI defenderam uma medida equivalente para a Tailândia, Coreia e outros países asiáticos.
Neste último paragrafo, o autor alude ao conflito entre a Administração dos USA, por um lado, e o Tesouro e o FMI, por outro, a propósito da inscrição na Constituição de uma norma impositiva do equilíbrio orçamental.

Uma década depois, os partidos conservadores, e não só, voltaram a pegar na ideia e, nalguns países, a obrigação do orçamento equilibrado tornou-se um preceito constitucional! Este foi um expediente ideológico destinado a neutralizar um instrumento eficaz de combate às conjunturas recessivas, o orçamento Comprovadamente apropriado mas malquisto pelos devotos do Consenso de Washington, para quem o Estado não deve intrometer-se no jogo do mercado livre.

Custa a acreditar que eles ignorassem os dados que demonstram que os fluxos de capitais são pró-cíclicos, ou seja, que os capitais saem de um país em recessão precisamente quando o país mais precisa deles, e que afluem durante os períodos de expansão, aumentando as pressões inflacionistas.
Também é sabido que, quando os países mais precisam de capitais externos, é quando os bancos exigem o seu dinheiro de volta.

Diz-se para aí que algumas das nossas maiores empresas andam a colocar grossas porções dos seus ganhos em paraísos fiscais. A ser verdade, este comportamento não destoa do padrão genérico acima aludido, mas não deixa de ser eticamente repugnante.
Uma economia que sofre uma recessão profunda pode crescer depressa durante a retoma, mas nunca recupera o tempo perdido.
Quanto maior for a recessão, hoje, menor será o rendimento amanhã, mesmo daqui a vinte anos.
E não maior como afirma o FMI. Os efeitos de uma recessão são duradouros. E há uma implicação importante: quanto maior for a recessão, hoje, menor será a produção, não só hoje, como durante vários anos.

Isto implica que a política económica deve ser orientada para minimizar tanto a dimensão como a duração da recessão. Infelizmente não foi esta a intenção nem a consequência das recomendações do FMI.
Exemplos históricos de bons resultados alcançados por países, que recusaram seguir as políticas preconizadas pelo FMI, constam no livro. A China e a Índia, entre outros, resistiram à sedução do canto de sereia das instituições que rubricaram o Consenso de Washington – FMI, Banco Mundial e Tesouro dos USA – e prosseguiram políticas mais sensatas.

A China foi outro país que seguiu uma política independente. Não é por acaso que os dois grandes países em desenvolvimento, a Índia e a China foram poupados à devastação da crise económica mundial – ambos dispunham de um sistema de controlo de capitais. Enquanto os outros países em desenvolvimento com mercados de capitais liberalizados assistiam à redução dos seus rendimentos, na Índia a taxa de crescimento foi superior a 5% e na China, perto de 8%.
Isto é tanto mais importante quanto ao mesmo tempo se registava um abrandamento do crescimento geral e do comércio em particular em todo o mundo.

A China conseguiu essa proeza seguindo os preceitos da economia ortodoxa – não as medidas de Hoover, mas aquelas que os economistas ensinavam há mais de meio século: face a uma recessão, um país deve reagir com políticas económicas expansionistas.
A «economia ortodoxa» que o autor refere é obviamente a economia keynesiana, pois foi Keynes que na teoria macroeconómica mais ênfase deu ao papel do orçamento do Estado na promoção de políticas expansionistas, em conjunturas recessivas.
É preciso lembrar que a expressão «devastação da crise económica mundial» não se refere à crise actual, mas a outras que a antecederam, porque as políticas avalizadas pelo sistema do Consenso de Washington são geradoras de crises. A presente não será a última, porventura, outras ainda mais graves ocorrerão, se nada se fizer para mudar de paradigma.

Deixei, aqui, alguns apontamentos sobre o pensamento de Stiglitz a respeito de temas cruciais, como o equilíbrio orçamental e as recessões. Devo dizer que o seu pensamento tem pouco de especulativo, antes pelo contrário, beneficiou das lições empíricas colhidas na vida profissional deste eminente economista.

De facto, Joseph E, Stiglitz, antes de ter sido laureado com o Prémio Nobel da Economia de 2001, chefiou o Conselho de Consultores Económicos do presidente Bill Clinton, foi vice-presidente do Banco Mundial e coordenador dos economistas desta instituição, e também professor de economia da Universidade de Colúmbia (Nova Iorque).

Acabo de ouvir no noticiário da noite da televisão pública as opiniões de alguns economistas apoiantes do governo, Salgueiro, Beleza, Bento… todos a favor das medidas de grande austeridade inscritas no orçamento para 2012.
Porque será que as televisões só ouviram as vozes que não desafinam? Será que no 4º. Congresso dos Economistas não há, além de Cavaco Silva, vozes dissonantes? Ou será que o ruído provocado por estas opiniões se destinou a afagar a ressonância das palavras do Presidente da República?
Deixo a cada o direito de responder às questões e fazer o seu juízo a respeito da situação aflitiva de hoje em dia, tendo em boa conta ou subestimando os juízos formulados nas citações que vos dei a conhecer.


José Frazão

Azoia de Baixo, 2011-10-19

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