11 Setembro 2011 |
Lúcia Crespo - lcrespo@negocios.pt
Muitas vezes no silêncio e na penumbra, cidadãos ocidentais radicalizam posições, tornam-se fundamentalistas religiosos, votam em partidos de Direita, declaradamente racistas e xenófobos, contra a emigração e religiões minoritárias, traça Maria Sousa Galito, especialista em Ciência Política e Relações Internacionais.
O atentado do norueguês Anders Breivik pode ser apenas o prenúncio do pior, nota. O Ocidente, ao focar a sua atenção na guerra ao fundamentalismo islâmico, parece ter ignorado ou subestimado o crescimento do racismo e da xenofobia na Europa e nos Estados Unidos após o 11 de Setembro, comentam outros especialistas. Um extremar de posições alimentado pela crise económica.
Yiossuf Mohamed Adamgy prepara-se para a oração das duas da tarde na Mesquita de Lisboa. Lá, onde o "zakat", a esmola ou o tributo religioso, chega a muçulmanos e não muçulmanos. O autor de livros como "O Islão - História e Conceitos" conta que, desde o 11 de Setembro, multiplicaram-se as visitas de jornalistas e estudantes à casa islâmica. Curiosos.
Queriam desmontar os "agentes do mal". Assim foi pelo mundo inteiro. As televisões encheram-se de muçulmanos, comenta o historiador António Dias Farinha, director do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Lisboa. Uma curiosidade natural pelo "outro" que não implica maior respeito mútuo entre religiões, traça Maria Sousa Galito, especialista em Ciência Política, professora na Universidade Lusófona.
"Há cada vez mais cidadãos a tornar-se fundamentalistas religiosos ou a votar em partidos de Direita, declaradamente racistas e xenófobos, que advogam contra a emigração e religiões minoritárias. Neste caso, o atentado do norueguês Anders Breivik pode ser apenas o prenúncio do pior...", sublinha.
O Ocidente, ao focar a sua atenção no fundamentalismo religioso islâmico, na "guerra ao terrorismo", fomentando uma "cultura de vigilância", parece ter ignorado ou subestimado o crescimento do racismo e a xenofobia na Europa e nos Estados Unidos, apontam alguns especialistas em ciência política.
"Era natural que a luta contra o fundamentalismo islâmico fosse central após o 11 de Setembro, mas demos uma atenção exagerada às comunidades islâmicas", comenta, à "Folha Online", Joerg Forbrig, analista político do German Marshall Fund, em Berlim.
"Depois do 11 de Setembro, a imagem de um árabe passou a ser a de um homem de metralhadora na mão, confundido com um 'agente do mal'", indica António Dias Farinha. Uma imagem distorcida do islamismo e dos muçulmanos, que levou a um extremar de posições.
Ficou célebre o caso do pastor evangélico americano, Terry Jones, que queimou um exemplar do Alcorão numa igreja na Flórida, recorda o historiador. Aqui e acolá, contam-se os casos de violência contra minorias, alimentados em grande parte pela crise económica, que chamuscam as sociedades tidas como multiculturais e tolerantes, aquelas que despertaram com o fim da Guerra Fria, com a queda de muros e a abertura de fronteiras.
"Há muito rancor por detrás do discurso institucional politicamente correcto, porque as pessoas vivem problemas no seu quotidiano", sustenta Maria Sousa Galito. "Uns dizem 'discriminam-me, bloqueiam-me a integração social'. Outros dizem 'as minorias querem impingir-nos a sua maneira de estar/viver, não querem integrar-se'. O diálogo torna-se surdo".
Há discursos que parecem ter deixado cair o politicamente correcto. A chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a dizer que o multiculturalismo "falhou, e falhou completamente". Segundo o primeiro-ministro britânico, David Cameron, as políticas de integração têm alimentado o extremismo. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, aprovou a expulsão de ciganos romenos e promoveu um debate sobre a "identidade nacional". A Suíça baniu a construção de minaretes. Itália e França tentam controlar o fluxo de imigrantes africanos em fuga dos conflitos da Primavera Árabe.
"Na História houve períodos similares, em que 'deixou de haver capacidade de absorção', substituída pela necessidade de 'controlo da situação', com movimentos crescentes de discriminação, que tendem ou não para a expulsão 'da gente a mais' para que a 'normalidade' se estabeleça", comenta Maria Sousa Galito. "As desculpas utilizadas são várias e centram-se nas diferenças (religião, cor de pele, tradições e costumes, língua, …), mas os motivos intrínsecos são mais fundados em questões económicas e de lutas de poder", assinala a especialista em ciência política.
"O papel do Conselho de Segurança da ONU voltou a ser predominante. Até nas revoltas Árabes, supostamente libertadoras 'de opressões e regimes ditatoriais' internas, estão a ser manipuladas por interesses geopolíticos ao mais alto nível (lideradas por potências com necessidade de recursos naturais para alimentar a sua industrialização e modelo de governação)", sublinha.
A luta contra o poder da América
Daqui a cem anos, quando as crianças na escola descobrirem o que se passou no início do século XXI, o que irão pensar? O 11 de Setembro será um capítulo ou uma nota de rodapé?, questiona Dominic Streatfield no seu livro "Uma História do Mundo depois do 11 de Setembro", lançado agora em Portugal. Foi, sem dúvida, um ponto de viragem, responde António Dias Farinha.
Mais que clivagem de civilizações ou religiões, o 11 de Setembro revelou um choque de poderes, ainda que com um invólucro religioso. Trata-se de uma luta contra o poder da América. Contra a presença estrangeira no Médio Oriente e Ásia, sublinha o historiador. "Os atentados foram perpetrados nos centros económico (Nova Iorque) e político (Washington DC) dos Estados Unidos, que se afirmavam como superpotência num mundo unipolar desde o fim da Guerra Fria e que se considerava incólume, 'não atingível no seu próprio território", acentua Maria Sousa Galito.
Os Estados Unidos responderam com "hardpower", até para gáudio da multimilionária indústria de armamento americana, mas não venceram rapidamente os conflitos, acrescenta a especialista em ciência política. "As guerras 'regulares e convencionais' no Afeganistão e no Iraque nunca chegaram a ser verdadeiramente credíveis, também junto da opinião pública, em especial fora dos Estados Unidos, uma vez que não tinha sido um 'país' ou um 'povo' a declarar guerra, mas um poder errático.
A própria Al-Qaeda cresceu depois em credibilidade e pujança internacional em função da sua eficácia, da capacidade de 'meter medo' a Democracias Abertas e Liberais e de obter resultados em função de objectivos, porque outros atentados reivindicados pela Al-Qaeda se seguiram, como o 11 de Março de 2004 em Madrid, o 7 de Julho de 2005 em Londres e o 26 de Novembro de 2008 em Mumbai", continua a especialista em ciência política. "A insatisfação contra o modelo seguido determinou a ascensão de Obama e perdeu-se o controlo às despesas militares.
Consequência: elevado défice orçamental e vulnerabilidade do sistema financeiro que se revelou no auge da Crise Internacional de 2008 e que ainda não está cicatrizada", acrescenta. "Os Estados Unidos geriram mal a situação. Foram lobos, quando deviam ter sido raposas. Agora vivemos as consequências do seu tipo de liderança", conclui.Partilhar Hoje no
11 de Setembro: Dez anos
Daqui a cem anos, quando as crianças na escola descobrirem o que se passou no início do século XXI, o que irão pensar? O 11 de Setembro será um capítulo ou uma nota de rodapé?, questiona Dominic Streatfield no seu livro "Uma História do Mundo depois do 11 de Setembro". Um capítulo! Um ponto de viragem! Uma grande rajada de vento! atiram analistas. Dez anos passados, os ataques às Torres Gémeas continuam a ser desmontados. A história ainda não acabou.
11 de setembro foi mais destrutivo depois do ataque
O 11 de Setembro foi, de longe, uma maior catástrofe em termos humanos do que económicos. As consequências imediatas para as finanças do país foram relativamente reduzidas e rapidamente compensadas.
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