quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ZECA AFONSO - OS VAMPIROS




ZECA AFONSO  (2-08-1929/23-02-1987)

A infância

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, "na parte da cidade voltada para o realismo e para o mar".

Quando o pai, José Nepomuceno Afonso, foi colocado em Angola, em 1930, como delegado do Procurador da República, Zeca Afonso permaneceu em Aveiro por razões de saúde, confiado aos cuidados da tia Gigé e do tio Xico, um "republicano anticlerigal, anti-sidonista. Um homem impoluto". Tinha então um ano e meio e cresceu numa casa situada na Fonte das sete Bicas, rodeado da ternura fraterna das primas e dos tios.

De 1932 a 1937 José Afonso viveu com os pais e irmãos em Angola, deslumbrando-se com a imensidão africana. A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente africano que se refletirá pela sua vida fora. As trovoadas, os grandes rios atravessados em jangadas, a floresta esconderam-lhe a realidade colonial. Só anos mais tarde, ao exercer a docência em Moçambique, conhecerá a fotografia amarga da sociedade colonial moldada ao estilo do "apartheid" de Pretória

Em 1937 volta para Aveiro, onde é recebido por tias do lado materno, e no mesmo ano parte para Moçambique. Em Lourenço Marques reencontra-se com os pais e irmãos, com quem viverá pela última vez em conjunto até 1938.

Quando voltou para o continente, em 1938, José Afonso foi para casa do tio Filomeno, então presidente da Câmara, em Belmonte. No ano seguinte os pais já estavam em Timor, onde seriam cativos dos ocupantes japoneses durante três anos, até 1945. Foram três anos sem notícias dos pais.

Em Belmonte, Zeca Afonso completou a instrução primária e viveu o ambiente mais profundo do salazarismo, de que seu tio era fervoroso admirador. "Foi o ano mais desgraçdo da minha vida", confidenciou. Pró-franquista e pró-hitleriano, o tio de José Afonso levou-o a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. Mas com a chegada a Coimbra em 1940, instalado em casa de uma tia devota, as suas pulsões mais íntimas sobrepuseram-se às influências familiares.

Coimbra e a lenda Coimbrã

José Afonso começa a cantar por volta do quinto ano do Liceu D. João III e a sua voz ecoa pela cidade velha. Os tradicionalistas reconheciam-no como um bicho que canta bem.

Em Coimbra passa pelas Repúblicas, onde conheceu a amizade e a farra académica. Seduzido pela cidade, tem os primeiros cantactos com clubes recreativos, joga futebol na Académica ("Entreguei-me completamente à mística da chamada Briosa") e acompanha a equipa um pouco por toda a parte.

Nas colectividades conhece "gajos populares", entre os quais Flávio Rodrigues, que admira como exímio tocador de guitarra, para si superior a Artur Paredes. Inicia-se em serenatas e canta em "festarolas de aldeia. Um sujeito qualquer queria convidar uns tantos estudantes de Coimbra, enchia-lhes a barriga e a malta cantava..."

Como estudante integrou várias comitivas do Orfeão Académico de Coimbra e da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, nomeadamente em digressões pelo Continente e por Angola e Moçambique. O fado de Coimbra lírico e tradicional era superiormente interpretado por si. A praxe académica e a boémia encheu-lhe tardes e noites gloriosamente Coimbrãs.

É o tempo das boleias e da capa e batina ("Porque um tipo de capa e batina é rei das estradas"), que lhe permite os primeiros contactos com os meios sociais miseráveis do Porto, no Bairro do Barredo, fonte de inspiração para a sua balada "Menino do Bairro Negro".

José Afonso foi envolvido pela lenda coimbrã, com o encantamento das suas tradições, que simultaneamente o atraiam e causam repulsa.

O percurso do Cantor

Em 1958 José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra" enquanto acompanha o movimento em torno da candidatura presidencial de Humberto Delgado. Mais tarde grava "Os Vampiros" que, juntamente com "Trova do Vento que Passa", escrita por Manuel Alegre e cantada por Adriano Correia de Oliveira, constituem um marco fundamental da canção de intervenção e de resistência antifascista.

Em 1964 parte para Moçambique. Professor de liceu, desenvolve uma intensa actividade política contra o colonialismo, o que lhe traz problemas com a PIDE e com a administração colonial. Mais tarde regressa a Portugal onde é colocado como professor em Setúbal, mas posteriormente é expulso do ensino. Para sobreviver dá explicações e grava o seu primeiro LP, "Baladas e Canções".

Em 1967-70, Zeca protagoniza uma intervenção política e musical ímpar, convertendo-se num símbolo da resistência. Várias vezes detido pla PIDE, mantém contactos com a Luar, PCP e esquerda radical. Em 69 participa no 1o Encontro da "Chanson Portugaise de Combat" em Paris e empenha-se fortemente na eleição de deputados à Assembleia Nacional da CDE de Setúbal, gravando tambem o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Alvo de sensura José Afonso passa a ser tratado nos jornais por Esoj Osnofa!

Com os arranjos de José Mário Branco, em 1971, edita "Cantigas do Maio", Neste álbum surge "Grândola Vila Morena" que se tornará um símbolo da revolução de Abril. Desde então Zeca participa em vários festivais. É publicado o livro "José Afonso", coordenado por Viale Moutinho. É lançado o LP "Eu vou ser como a toupeira". Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava "Venham mais cinco".

Após a Revolução dos Cravos, participa em numerosos "cantos livres" e grava o LP "Coro dos Tribunais", onde conta com a colaboração de Fausto, Adriano Correia de Oliveira, Vitorino e José Niza, entre outros. Em 1975 canta em inúmeros espectáculos de dança e lança "Com as minhas tamanquinhas".

Em 1976 apoia Otelo Saraiva de Carvalho na candidatura à presidência da república. Em 1981 Actua no Theatre De La Ville de Paris, compõe a música de "Fernão Mendes" para a "Barraca" e grava "Enquanto há força" e "Fura fura".

Em 1985 José Afonso já se encontra doente. O Coliseu de Lisboa é o palco do seu último espectáculo. As homenagens multiplicam-se e é condecorado com a Ordem da Liberdade. Já muito enfermo, em 1985, apoia a candidaduta de Lourdes Pintassilgo à presidência da república. É editado o seu último disco, Galinhas do Mato.

A 23 de Fevereiro de 1987 morre no Hospital de Setúbal

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