Vendo o que é nosso
11 Julho 2011
Pedro SantosGuerreiro - psg@negocios.pt
"Eu sou liberal mas não sou parvo", disse um dia Henrique Granadeiro, numa das frases que a OPA da Sonae à PT fixou para a história. E agora, que temos um governo liberal, temo-lo parvo?
Nunca como hoje esteve escrito um programa de privatizações acelerado e destinado a capital estrangeiro. Está no Programa de Governo. Está no memorando da "troika". Privatizar para reduzir a dívida pública. Vender a estrangeiros para entrarem capitais e, assim, reduzir o défice externo. Mas privatizar também para gerir melhor que um Estado pressionável por grupos de interesse e impressionável por sindicatos.
Muita gente defende estas privatizações por essa simples razão: o Estado gere as empresas como se fossem centros de custos, de interesses e de destruição mental de quem lá trabalha para manadas de chefes sem mérito. Dentro dessa gente, há um grupo que entende que melhor seria manter estas empresas em mãos portuguesas e que Passos Coelho está a ser ingénuo na forma como se desfaz das "golden shares" e de empresas estratégicas. E há um último subgrupo, menor, muito menor: o dos empresários que, achando tudo isso, têm mais dinheiro que dívidas
Não há capital em Portugal. Nem próprio nem, agora, alheio. Os activos dos mais ricos liquidificam-se nos seus passivos. Já cansa listar os arruinados do BCP, inacreditavelmente financiados pela Caixa Geral de Depósitos, como logo foi aqui e ali escrito. Joe Berardo já não tem mais o que penhorar, os "donos" de construtoras (como Manuel Fino, Pedro Teixeira Duarte ou António Mota) já têm sarna que chegue para se coçarem. Mais: a família Espírito Santo vendeu os diamantes para preparar aumentos de capital no BES, o BES pode ter de vender as PT ou EDP, de onde poderão de ter de sair também os Mello, que vêm as suas acções da Brisa desvalorizar (e assim reduzir o colateral das suas dívidas). Outros, como Belmiro de Azevedo, João Pereira Coutinho ou Soares dos Santos, só olham para investimentos no estrangeiro.
Américo Amorim seria o mais endinheirado dos portugueses, se vendesse a posição na Galp. É dos poucos que não se endividou até ao tutano, ao que somou a sorte de descobrir petróleo. Outros empresários como Pedro Queiroz Pereira ou Ilídio Pinho têm também capacidade financeira - são dos poucos. Vão investi-lo em Portugal, onde só tem entrado capital angolano e brasileiro?
Vamos ao Brasil: Abílio Dinis é um magnata brasileiro, filho de um português que um dia, em 1948, abriu uma pastelaria em São Paulo: chamou-lhe Pão de Açúcar. Hoje, Abílio Dinis está a tentar comprar o Carrefour para passar a dominar um dos maiores grupos do mundo e opor-se à francesa Casino e à americana Wal-Mart. Está a fazê-lo com o apoio do Governo de Dilma e com o dinheiro do banco estatal, o BNDES. Em entrevista à "Veja", o presidente do banco, Luciano Coutinho, explica: "Nosso propósito é financiar lideranças nacionais de empresas brasileiras". O BNDES é um gigante alinhado com uma política muito discutível de capitalismo de Estado, que já permitiu criar gigantes brasileiros nas cervejeiras (fusão da AmBev com a belga Interbrew) ou no papel (a Fibria, que resultou da fusão entre a Aracruz e a Votorantim Celulose).
Depois das nacionalizações e mesmo das reprivatizações, o grande capitalista em Portugal passou a ser o Estado. É para ele que se viram sempre os empresários, que voltarão a apelar à Caixa Geral de Depósitos. E assim haverá mais um episódio da novela dos Centros de Decisão Nacional, este espécie de "compro o que é nosso" das empresas.
"Se não fizesse nada, as grandes empresas do País cairiam nas mãos de estrangeiros", explica Abílio Dinis, que lucrará muito com a operação. Em Portugal é ao contrário: estamos a fazer tudo para vender as empresas a estrangeiros. Que não tem dinheiro não tem vícios. Nem empresas. Parvos ou liberais?
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