quarta-feira, 24 de novembro de 2010

SUSPENSOS DO VOO DOS ABUTRES


Vejo na televisão imagens de rua da Irlanda, da Grécia, da Espanha, e sao iguais às de Portugal: as pessoas movem-se de ou para o trabalho, há transportes a funcionar, comércio aberto, crianças a irem para a escola, enfim, a vida como habitualmente. A mim parece-me que estas pessoas e estes países estão vivos, que não estão à beira da morte. Mas não, é ilusão minha: todos os noticiários nos dizem que sobre esta gente e estes países pesa a mais tenebrosa ameaça destes sinistros tempos económicos que se vivem: os mercados.
Estou farto dos mercados, estou farto da constante ameaça dos mercados: os mercados acordam bem dispostos mas, depois do almoço, os mercados enervam-se e subiram-nos outra vez as taxas de juro; os mercados não gostam disto, os mercados querem aquilo; os mercados querem um um orçamento novo aprovado, os mercados não acreditam na execução do orçamento que queriam aprovado; os mercados assustam-se quando o ministro das Finanças fala, os mercados reagem em stresse se o ministro fica calado mais do que dois dias; os mercados querem que os Estados desçam o défice, diminmuindo despesas e aumentando receitas, mas os mercados fogem se a PT pagar um euro que seja de imposto sobre as mais-valias do maior negócio europeu do ano; os mercados estão preocupados com a quebra do consumo, mas os mercados adoram aumentos do IVA; os mercados recomendam cortes salariais, mas os mercados são frontalmente contra cortes nos salários e prémios dos gestores das grandes empresas, porque isso é uma intromissão estatal que contraria a regra da concorrência...nos mercados.
Sim, eu sei: à falta de alternativa, estamos nas mãos dos mercados e não os podemos mandar para onde bem nos apetecia e eles mereciam. Mas convém não esquecer que foi esta fé nos mercados, como se fosse o boi-ápis, a desregulação e falta de supervisão dos famosos mercados, que mergulharam o mundo inteiro na crise que vivemos, devido ao estoiro do mercado imobiliário especulativo e do mercado financeiro, atulhado do que chamam "activos tóxicos" - que deram biliões a ganhar a muito poucos e triliões a pagar por todos.
(Miguel Sousa Tavares, escritor e jornalista)

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