quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ANGOLA, O MEDO DE DIZER

 

Angola e o medo de dizer

Henrique Monteiro
Acho que foi Talleyrand que disse que os regimes passam mas os interesses perenes das nações subsistem. Se isto é verdade, as relações entre Portugal e Angola não se deterioram com um discurso, com um ministro, com um Governo nem mesmo com um Presidente. Angola faz parte do passado e do presente português e Portugal é fundamental para a estratégia de Angola, apesar do estado de espírito que possa ter José Eduardo dos Santos.
O mesmo Talleyrand, que afirmou ser a alta traição "apenas uma questão de data" sabia igualmente que os grandes países podem ter uma política externa baseada nos interesses, mas que os pequenos têm de a fundamentar também nos princípios. Porquê? Porque os países como Portugal não têm interesses suficientes para poder retaliar uma afronta. O que podem é ter moral suficiente para o fazer.
O regime angolano não gostou, seguramente, que alguns dos seus líderes (um deles atual vice-presidente) fosse investigado pelo Ministério Público português. Compreende-se, em Angola as manifestações de independência da magistratura são entendidas de outra forma. Mas acontece também que Portugal, ao invés de exigir respeito por cada editorial do Jornal de Angola que atacava pessoal e descabeladamente personalidades portuguesas, desde ex-presidentes a Procuradores-Gerais, jornal onde (como já escrevi) não sai uma linha que não tenha a bênção do poder, pediu desculpa pela voz de Machete. E já andava a pedir a sotto voce, piano, piano à bouche fermée (como se indica nas pautas de canto) pelo menos desde o tempo de Durão Barroso, senão antes. Mais: alguns patriotas (mais angolanos do que portugueses, certamente), como o meu amigo Vítor Ramalho, ainda hoje descobrem que a culpa é nossa, ocultando o facto de o Presidente de Angola estar no poder há 35 anos e não admitir um ato normal de uma democracia como a investigação de uma suspeita não deixar ninguém acima da lei. (Também é giro ver como há quem por cá defenda o limite de mandatos, se indigne com os 40 anos de Salazar, mas por lá ache normal e salutar 35 anos de poder ininterrupto, total, pessoal e em muitos momentos ditatorial).
A pressão feita pelo Presidente Angolano deveria, em tese, ter uma resposta firme. Mas Portugal já não consegue. Não tem ânimo. Nem nisto se põe de acordo. Está podre. Eis talvez a única coisa em que concordo com o editorialista ao serviço do poder angolano. E parte dessa podridão vem da ânsia do dinheiro fácil que quiseram lá ir buscar, sem cuidar dos princípios. Dos tais princípios que os países pequenos devem ter e que começaram a cair, com Angola, com Kadhaffi, com Chávez... Andámos de mão estendida - agora humilhemo-nos!
Por mim, que já fui atacado de tudo e mais alguma coisa pelo Jornal de Angola, continuo tranquilo. Há de ser um grande país, se alguns figurões que o dominam começarem a perceber que o seu tempo passou. E que bem ou mal, Portugal, pobre, falido e com muitos problemas, continua na lista da honradez e da seriedade, muitos lugares acima do corrupto regime de Luanda (33º no ranking da Transparency International, contra 157º de Angola).



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