quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A SÍRIA E A UNIÃO EUROPEIA


Depois das fitas de Barack Obama e do artigo assassino que Vladimir Putin publicou no New York Times, depois das precipitações de John Kerry e das acusações que o mundo foi ouvindo a um profissional da banalidade como Ban Ki-moon, foi finalmente possível respirar-se com algum alívio a partir da notícia de que a Rússia e os Estados Unidos tinham chegado a um acordo quanto à Síria e que o Governo sírio se mostrava não apenas disposto a aceitar as bases acordadas como a colaborar na sua concretização.

Parece claro que a notícia interessa pouco à oposição síria, a países como a Turquia e a organizações como o Hezbollah e a Al-Qaeda. Que a operação de localização, quantificação e desmantelamento do arsenal de armas químicas será uma operação muito demorada e muito arriscada. Que não pode haver a certeza de que se consiga executá-la satisfatoriamente. E, pior, que não há indícios de a guerra civil chegar a um termo próximo. Pelo contrário. Mesmo com garantias de ambos os lados de que os inspectores da ONU poderão percorrer o território sírio e trabalhar em segurança, essa é também uma interrogação de monta. Até porque pode haver fracturas de orientação militar dentro de cada um dos lados em confronto.

Todavia, com algum optimismo, não será de excluir que a neutralização das armas químicas, dados os contornos que assumiu, possa constituir um embrião, precário e periclitante, de algum processo, se não de paz, ao menos de acalmia relativa, num país esfacelado por questões religiosas e tribais, minado por fundamentalismos, exposto às mais diversas e perigosas tensões geradas na sua vizinhança, sem qualquer veleidade colectivamente sentida de construção de uma democracia de modelo ocidental, ao contrário do que se possa supor ou proclamar, e necessitado de um exercício da força por via da autoridade militar para que a sua população possa viver com alguma tranquilidade no dia-a-dia. Para a Síria, para já, não parece haver uma saída democrática.


Tudo isto interessa muito especialmente à Europa. Mas a Europa, como se viu, continua a existir muito pouco quando se trata de desempenhar um papel de relevo na procura de soluções para questões que são susceptíveis de afectá-la dramaticamente.

O seu problema trágico acaba por ser a incapacidade, mais uma vez tornada patente, de uma posição decidida e decisiva da União Europeia enquanto tal na mediação do conflito. Ao que resulta da simples leitura dos jornais, os russos e os norte-americanos não quiseram saber dos europeus para nada. Estando em jogo uma negociação que envolvia ameaças de intervenção militar e soluções drásticas para se evitar mais crimes de guerra, as negociações passaram-nos ao lado.

Pode ter havido, conceda-se, uns telefonemas de acerto de posições ou de pedido de concordância entre Obama e Cameron ou entre Obama e Hollande, pode ter havido um sinal feito a Angela Merkel, na expectativa de uma piscadela de olho favorável da parte desta, ou como simples formalidade de cortesia. Pode mesmo ter havido um contacto prévio com o melancólico Ban Ki-moon. Mas onde é que a União Europeia, como potência de peso na cena mundial, surge na mediação do conflito? E onde é que ela anuncia que estará se o acordo falhar? E o que é que ela poderá fazer se, ainda nesse caso, um rastilho imparável se propagar a todo o Médio Oriente e essa vizinhança explosiva acabar de vez com uma série de ilusões quanto à paz, ao de-senvolvimento sustentado e ao modelo social, que persistimos em alimentar (para nós) no espaço da União?

De russos e norte-americanos, e até de chineses, iranianos e israelitas, sabemos que estão em condições de fazer alguma coisa, aconteça o que acontecer. Podem funcionar como travão ou contrapeso, podem ameaçar e passar ao ataque, podem seleccionar os seus alvos e escolher os seus meios de intervenção com recurso à força.

De uma União Europeia que, por todas as razões e mais algumas, acaba por ser a principal interessada numa solução pacífica e estável para os vários problemas que o Médio Oriente apresenta e que nem vale a pena enumerar, de tantos, tão graves e tão conhecidos que são, continua a ignorar-se o que poderá fazer. Pode ser que a tempestade tenha amainado de momento. Mas isso não impede a verificação de um facto da maior gravidade: no recente acordo entre Estados Unidos e Rússia quanto à questão síria, a União Europeia continuou à margem dos acontecimentos. Este grau zero de capacidade interventiva pode vir a custar-nos muito caro.

ARTIGO DE VASCO GRAÇA MOURA, PUBLICADO NO DN DE 18-09-2013

1 comentário:

Estefany disse...

Esse menino que aparece na foto, será que tem como saber nome, onde está?
e-mail: tenynha_linda@hotmail.com