terça-feira, 15 de janeiro de 2013

CARTA AO PEDRO (PRIMEIRO-MINISTRO)

Caro Pedro,

Antes de mais os meus sinceros agradecimentos pela amabilidade que tiveste
em prescindir dos poucos momentos em que não tens que carregar o país às
costas, para pensar um pouco em nós e nos nossos natais.

Retrataste com a clarividência de poucos a forma penosa como atravessamos
esta quadra que deveria ser de alegria, amor e união. És de facto um ser
iluminado e somos sem dúvida privilegiados em ter ao leme da nossa nau um
ser humano de tão refinada cepa.

Gostava também de ser interlocutor de alguém que queria aproveitar o espírito
de boa vontade que a quadra proporciona para te pedir sinceras desculpas… a
minha mãe.

A minha mãe é uma senhora de 70 anos, que usufruindo de uma escandalosa
pensão de mil e poucos euros, se sente responsável pelo miserável natal de
todos os seus concidadãos. Ela não consegue compreender onde falhou, mas
está convicta de que o fez… doutra forma não terias afirmado o que
afirmaste. Tentarei resumir o seu percurso de vida para que nos ajudes a
identificar a mácula.

A minha mãe nasceu em Alcácer do Sal começou a trabalhar com 12 ou 13 anos…já
não se recorda muito bem. Apanhava ganchos de cabelo num salão de
cabeleireiro, e simultaneamente aprendia umas coisas deste ofício.
Casou jovem e mudou-se para a cidade em busca de melhor vida. Sem opções
de emprego a minha mãe nunca se acomodou e fazia alguns trabalhos de
cabeleireira ao domicilio…nunca se queixou…foi mãe jovem e sempre achou que
por esse facto era a mulher mais afortunada do mundo. Arranjou depois
emprego num refeitório de uma grande fábrica.
Nunca teve qualquer tipo de formação mas a cozinha era a sua grande
paixão.

Depois de alguns anos no refeitório aventurou-se no seu grande sonho… ter
um negócio próprio de restauração. Quis o destino que o sonho se concretizasse
no ano de 1974…lembras-te 1974? O ano em que te tornaste livre? Tinhas o
quê? 10 anos?

Pois é… o sonho da minha mãe tem a idade da democracia.

O sonho nasceu pequeno, com pouco mais de 3 ou 4 colaboradoras. Com muita
dificuldade, muito trabalho e muitas noites sem dormir foi crescendo e
chegou a dar trabalho a mais de 20 pessoas. A minha mãe tem a 4ª classe.
Tu já criaste empregos Pedro? Quer dizer… criar mesmo… investir e
arriscar o que é teu… telefonemas para o Relvas a pedir qualquer coisa para
uma amiga da Laura não conta como criar emprego. A minha mãe criou…por isso
ela não compreende muito bem onde errou. Tudo junto tem mais de 40 anos de
descontos para a segurança social. Sempre descontou aquilo que a lei lhe
exigia. A lei que tu e outros como tu…
gente de tão abnegada dedicação, se entretém a escrever, reescrever, anular,
modificar… enfim… trabalhos de outra grandeza que ela não compreende mas
valoriza.

Pois como te digo, a minha mãe viu passar o verão quente, os tempos do
desenvolvimento sem paralelo, o fechar de todas as fábricas da região, os
tempos do oásis, as várias intervenções do FMI, as Expos, os Euros, do
futebol e da finança…e passou por isto tudo sempre a trabalhar como se não
houvesse amanhã. A pagar impostos todos os meses e todos os anos. IVA, IRC,
IRS, IMI, pagamentos por conta, pagamentos especiais por conta, por ter um
toldo, por ter a viatura decorada, por ter cão, de selo, de circulação, de
radiodifusão…não falhando um único desconto para a sua reforma, não
falhando um único imposto. E viu chegar as condicionantes da idade avançada
sem lançar um queixume. E foi resolvendo todos os seus problemas de saúde
que inexoravelmente foram surgindo, recorrendo a um seguro privado,
tentando deixar para aqueles que realmente necessitam, o apoio da segurança
social. Em mais de 40 anos de contribuição não teve um dia de baixa, não
usufruiu de um cêntimo em subsídios de desemprego. E ela dá voltas e voltas
à cabeça e não há forma de se recordar onde possa ter falhado. Mas
certamente falhou…

Por isso Pedro, quando eu lhe li a tua carinhosa mensagem, que certamente
escreveste na companhia da Laura e com um cobertor a cobrir as vossas
pernas para poupar no aquecimento, ela comoveu-se, e cheia de remorsos
pediu-me que por esta via te endereçasse um sentido pedido de desculpas.

Pediu também para te dizer que se sente muito orgulhosa de com a redução
da sua pensão poder contribuir para que a tua missão na terra seja coroada
de sucesso.

És de facto único Pedro. A forma carinhosa como te referes aos
sacrifícios que os outros estão fazer, faz-me acreditar que quase os sentes
como teus. Sei que sofres por nós Pedro. Sei que cada emprego que se perde
é uma chaga que se abre no teu corpo…é um sofrimento atroz que te é
imposto…e tudo por culpa de quem? De gente como a minha pobre mãe que mesmo
sem querer tem levado toda uma vida a delapidar o património que é de
todos. Por isso se a conseguires ajudar a perceber onde errou ficar-te-ei
eternamente agradecido. A minha mãe ainda é daquele tipo de pessoas que não
suporta a ideia de estar a dever algo a alguém...ajuda-nos pois Pedro.

Aceita por favor, mais uma vez, em nome da minha mãe, sentidas desculpas.
Ela diz que apesar de reformada e com menos saúde vai continuar a trabalhar
para poder expiar o tanto mal que causou.

Continua Pedro..estás certamente no bom caminho, embora alguns milhões de
ingratos não o consigam perceber.

Não te detenhas… os génios raramente são reconhecidos em vida.

Um grande abraço para ti.
Um grande beijo para a Laura.


Nuno Barradas
Facebook

Sem comentários: