segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A CHINA E A CENSURA


A China e o ridículo da censura
14/01/13 00:31 | John Gapper, Financial Times
JORNAL ECONÓMICO

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Só um sentido da ironia "orwelliano" - ou a ausência do mesmo - levaria um sensor a banir a frase "liberdade de expressão".
Só um sentido da ironia "orwelliano" - ou a ausência do mesmo - levaria um sensor a banir a frase "liberdade de expressão". Esta foi, contudo, uma das frases e expressões bloqueadas pelo Sina Weibo, equivalente chinês do Twitter, durante o protesto que irrompeu na semana passada na província chinesa de Cantão contra um acto de censura. Excluindo tudo o mais, a liberdade de expressão e de imprensa é oficialmente protegida pelo artigo 35º da Constituição chinesa. O Partido Comunista Chinês (PCC) tenciona, de alguma forma, manter esse propósito sem abdicar daquilo que um comentário sintetizou como "o controlo dos media pelo Partido é um princípio básico inquestionável".
O acto de censura que desencadeou um breve protesto por parte de jornalistas do Southern Weekly foi ainda mais absurdo que o habitual. Tuo Zhen, chefe do departamento de propaganda da província de Cantão, não só censurou um editorial de Ano Novo do jornal que apelava ao primado da lei (o que implica limitar o domínio do partido) como escreveu uma versão onde faz a apologia do futuro presidente do país, Xi Jinping.
Karl Marx acreditava que a sociedade capitalista cairia sob o peso das suas contradições. Esperemos que a censura na China seja derrotada pelo peso da sua absurdidade. Os seus métodos e propósitos são antiquados num mundo onde 300 milhões de chineses usam micro-blogues e redes sociais, muitas vezes para ridicularizar os funcionários do partido. No entanto, a tolerância do PCC para com a absurdidade é elevada - especialmente quando a alternativa tem subjacente o risco da sua própria extinção. A liberdade de expressão é um imperativo moral que pode beneficiar a China e trazer algumas vantagens a Pequim, contudo, o partido apenas vê nesta questão a malograda sombra de Tiananmen.
Os jornalistas chineses estiveram sempre sujeitos à censura do departamento de propaganda central sob as mais diversas e intrusivas formas. Enquanto os media viveram em isolamento, a maior parte dos jornalistas tolerou a situação. Hoje em dia, porém, as notícias disseminam-se instantaneamente nos media sociais e, em certos casos, antes de serem publicados na imprensa. Xi Jinping encorajou inadvertidamente uma rebelião ao escolher Shenzhen, uma cidade industrial próxima de Cantão, como primeiro destino a visitar na qualidade de Presidente. Pretendia ser uma homenagem à "visita ao Sul" de Deng Xiaoping em 1972, durante a qual encorajou os funcionários do partido a adoptarem uma atitude "arrojada" na prossecução das reformas económicas.
Os jornalistas decidiram ser arrojados ao atacarem os censores de Cantão na esperança de que Pequim tomasse o seu partido. A desilusão chegou rapidamente: o Global Times, ‘tabloid' aliado do Diário do Povo, órgão oficial do PCC, declarou peremptoriamente que "os media não podem tornar-se numa ‘zona política especial'" à imagem das zonas económicas especiais criadas por Deng.
Entretanto, chegou-se a um compromisso: aparentemente, os censores comprometeram-se a não escrever artigos pelo seu punho e a não aplicar medidas disciplinares aos elementos do jornal. Xi Jinping ainda tem de sufocar a revolta. Os jornalistas do Beijing News apoiaram os colegas do Southern Weekly recusando-se a republicar o editorial do Global Times. Existem algumas razões, no interesse do próprio PCC, para permitir um pouco mais de liberdade de expressão. Uma delas é combater a corrupção, que mitigou a sua legitimidade. Xi Jinping já afirmou estar determinado a pôr fim aos subornos de funcionários do partido em troca de contratos e da concessão de terrenos - tal como fizeram os seus antecessores. Os jornalistas poderiam denunciar tais situações se não estivessem sob apertada vigilância.
Acresce que cada vez é mais difícil garantir uma censura eficiente e absoluta. Jornalistas e outros profissionais podem escapar aos censores recorrendo às redes sociais. A tentativa de sufocar os protestos dos jornalistas do Southern Weekly gerou uma onda de indignação online. Mas o receio de instabilidade sobrepõe-se à indignação. No mês passado, um grupo de académicos onde se inclui o Prof. He, alertou que a China, na ausência de uma verdadeira reforma política, corre o risco de "resvalar para a turbulência e caos de uma revolução violenta".
Para muitos funcionários do partido, a liberdade de imprensa equivale "a turbulência e caos", visto recearem que os protestos populares ganhem uma nova escala e que os estudantes voltem a ocupar a Praça Tiananmen. A censura é uma tradição testada e na qual confiam, por mais absurda que hoje possa parecer.

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