quarta-feira, 23 de maio de 2012

A SOBREVIVÊNCIA DA EUROPA


A sobrevivência

por VASCO GRAÇA MOURA



Os europeus estão a assistir a um filme de terror. De todos os lados lhes surgem ameaças de desastre. Às tantas, era a Grécia e continua. De repente, passa a ser a Espanha e continua. Se a Grécia estoirar, talvez a Europa se aguente. Se for a Espanha, é melhor nem pensar no que pode acontecer. Duvidosamente Portugal terá uma saída. Outros Estados-membros se hão-de seguir no descalabro, sem que haja tempo para se reflectir e para serem tomadas medidas com um mínimo de coerência e um mínimo de sentido. Realmente, apesar de ser tudo muito doutamente técnico e nominalmente muito eficaz, as medidas que vão surgindo falham sucessivamente e não parecem servir para nada. É verdade que, na construção europeia, houve sempre aspectos críticos e tensões, avanços e recuos, discordâncias, obstruções, subtilezas e manobras. Mas, até há pouco, tudo era relativo e as coisas iam-se resolvendo porque os objectivos eram comuns e legitimavam as soluções.

Hoje em dia, os representantes dos Estados-membros da União Europeia passam o tempo a reclamar isto e aquilo para os seus países, a jogar um ping-pong arriscado com o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, a dizer convictamente que estão a ser tomadas medidas e a ver passar os comboios que as ultrapassam. A Europa começa a habituar-se a acordar em sobressalto, no pavor de ficar irreconhecível no espaço de poucas horas. Todos dizem temer o esfacelamento da União, mas não se vê que os que podem alguma coisa estejam propriamente dispostos a fazer seja o que for, salvo a tirar tanto o cavalinho próprio da chuva que, com isso, contribuem ainda mais para relançar o desastre.

Tem-se a impressão de que é para o caos que a Europa avança. É imprevisível o que se vai passar. São imprevisíveis as consequências da saída de um Estado-membro da zona euro. Na teoria, no papel e na linguagem diplomática, essa possibilidade ficou consignada. Mas é provável que ninguém a tenha levado a sério e ninguém perdeu tempo a pensar no que podia acontecer na prática, numa época em que as interdependências financeiras são a regra e em que a globalização acarreta consequências imparáveis nos mercados à escala planetária. Não foram criados nem um plano B, nem válvulas de segurança. Tal como, se algum Estado-membro amanhã resolver sair da União, também ninguém é capaz de prever as consequências dessa atitude e de dizer onde e como é que as coisas vão parar. Não há tratados, nem regulações, nem euroburocracias que possam valer nessa emergência. As receitas ideológicas não funcionam, a não ser para estimularem irresponsabilidades corporativas. E as receitas políticas, desamparadas de autoridade nacional e internacional, têm todas vindo a falhar.

Entretanto, a União Europeia fica-se atarantada, entre Bruxelas, Paris e Berlim, e com Londres a fingir que assobia para o lado. Há muita gente a barafustar e pouca gente a fazer coisas úteis, mas todos percebem que se vive uma situação insustentável, que há zonas em que a revolta das populações pode alastrar e acabar por ficar incontrolável. Ninguém está disposto a aceitar o rigor inevitável da austeridade. Toda a gente quer ver mais dinheiro a ser despejado sobre os problemas, o que não resolve absolutamente nada e só aumenta o sorvedouro.

A Europa, sobretudo a do Sul, arrisca-se a ficar à mercê de sucessivas hordas de gente desempregada, desesperada e com fome, de gente que perdeu toda a esperança e se convence de não ter nada a perder com a violência, destravando-se em massas inorgânicas, vociferando invocações de democracia directa, legitimando desmandos de toda a ordem, lançando-se ao saque e à destruição de bens públicos e privados, não recuando ante violações de toda a espécie de direitos, acolhendo caudilhismos e aventureirismos inconsequentes e perigosíssimos. Há sempre uns coronéis disponíveis para essas aventuras e uns idiotas úteis para lhes fazerem alguns fretes.

Por isso mesmo, talvez hoje a grande pergunta a fazer aos Estados-Membros em situação mais difícil seja a que indague da capacidade das respectivas forças armadas e de polícia para segurarem o status quo democrático, em face da conflitualidade implosiva que se começa a desenhar. A sobrevivência da Europa também depende dessa segurança interna.

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Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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