A falta que faz o Serviço Militar Obrigatório (SMO)
Uma das piores e mais consensuais decisões de um pretérito Governo consistiu no fim do serviço militar obrigatório (SMO). A decisão infeliz e popular tornou-se efetiva em 2004. O Governo de turno limitou-se a concretizar promessas eleitorais que, com a digna exceção do PCP, cederam às pressões das juventudes partidárias do PS, PSD e CDS, em que se destacava a euforia da mocidade do último.
A democracia não avaliou as consequências perversas da decisão. Em vez de alargar a ambos os sexos o SMO, fazendo refletir nas Forças Armadas (FA) a diversidade ideológica da sociedade plural que o 25 de Abril criou, optou pelo voluntariado mercenário, uma opção leviana e sem meios financeiros.
Um ano de cada português no SMO, muitas vezes em tarefas cívicas, era a forma de a juventude estimular a sua natural solidariedade de que o liberalismo económico desenfreado a quer definitivamente privar. Era o alfobre onde se recrutariam os militares necessários, a escola onde se aprenderia a servir a democracia, a amar a Pátria e a defender a liberdade.
A democracia portuguesa lidou sempre mal com as FA. A esquerda nunca esqueceu que foram elas que sustentaram a mais longa ditadura do século XX e a direita digeriu mal a liberdade que nos devolveram. Ainda hoje permanecem resquícios salazarentos na ala mais à direita do espetro partidário. Terá sido por acaso que os mais destacados militares de Abril foram ostracizados e afastados dos cargos de decisão?
Sobra à democracia a legitimidade que mingua às ditaduras. Os governos democráticos não podem renunciar ao direito de escolher quem ocupa os altos postos que, no caso de oficiais generais, são já lugares político-militares. Mas não será suspeito que, depois da passagem de Paulo Portas pelo ministério da Defesa, se tenha acentuado o perfil conservador das chefias militares dos estados-maiores?
A minha posição sobre o fim do SMO é pouco consensual e a situação atual é dificilmente reversível mas a dignidade das Forças Armadas Portuguesas, até por terem protagonizado uma Revolução democrática, deve ser reforçada bem como o seu compromisso na defesa da República e da democracia.
As FA serão sempre uma questão nacional, até pelo seu valor simbólico. Não podem tornar-se num corpo de polícia, numa tropa de mercenários ou na guarda pretoriana de uma ditadura vindoura. Portugal já teve a sua conta durante quase meio século. E o SMO era a garantia de uma vacina de melhor qualidade.
Quando os demónios totalitários acordarem na Europa, se a crise atual não for resolvida, encontrarão um instrumento dócil para os seus desígnios, umas FA à medida.
Ponte Europa / Sorumbático
posted by Carlos Esperança
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