segunda-feira, 5 de março de 2012

REFLEXÕES - JONAS SAVIMBI O MONSTRO AMIGO DE MÁRIO SOARES


Depois do horror descrito abaixo pela Bela Malaquias, recebi por acaso a seguinte frase :
“É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe, e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.” MIGUEL TORGA
Talvez seja a despropósito, mas pergunto-me, como tantos aguentam tanto, durante tanto tempo ?
O "elogio" fúnebre de um monstro, SAVIMBI, por uma voz insuspeita de uma sua vitima.
Carta para Paulo Lukamba 'Gato' (em 2003).

Carta enviada a Paulo Lukamba 'Gato' por Bela Malaquias, esposa de Eugénio Manuvakola.
Fê-lo em resposta a um convite efectuado pelo mesmo, Lucamba Gato, para que estivesse presente no evento referente ao 1º aniversário da morte de Savimbi. Bela Malaquias vive em Luanda desde 1998, data da sua fuga do Bailundo, onde Savimbi a havia encarcerado assim como toda a família Manuvakola.
Jornalista de profissão (foi durante anos responsável pela “Vorgan”, a rádio da Unita), Bela Malaquias frequenta (2003) o 3º ano de Direito na Universidade de Luanda..
"Eu poderia esperar tudo de si, menos esta provocação: A carta que me enviou e que recebi em 20 de Fevereiro, por volta das 20.30, onde me convida a prestar tributo à memória de Savimbi!
Apesar de tudo, tenho tentado conter a minha indignação! Mas pergunto-me se será possível ter esquecido o que Savimbi representa para mim e toda a minha família próxima e mais distante! Eu não quero acreditar que tal seja possível!
Se é um problema de amnésia, eu terei muito gosto em lhe refrescar a memória: Savimbi perseguiu-me durante 20 longos anos, através do exílio, a prisão e assédio sexual, e todas as formas de tortura psicológica!


Savimbi encarcerou o meu pai, já bastante idoso, numa cela subterrânea, ao longo de meses, pelo único crime de ter transmitido aos nossos companheiros a notícia do atentado contra a vida de Reagan, então presidente dos Estados Unidos. Lembra-se?
Savimbi espancou até à morte os meus familiares, Eduardo Jonatão Chingunji e a sua esposa Violeta Jamba. Nem os seus filhos e restante família conseguiram escapar à fúria de Savimbi.
Apesar da dor que eu sinto cada vez que penso neles, não resisto a colocar aqui os seus nomes, para avivar a sua memória: Tito Chingunji, sua esposa Raquel e os seus três lindos filhos ( os dois mais pequeninos eram gémeos). Eu tenho a certeza de que você ainda se lembra. Lena Chingunji, a irmã gémea do Tito, e o seu marido, Wilson dos Santos.
Koly, o filho mais velho da Lena, que tinha então doze aninhos; Rady, que tinha oito anos, e o “Paizinho”, o terceiro, além dos dois encantadores gémeos, ainda bebés.…
Dino Chingunji e sua esposa Aida Henda, sua irmã Vande e seu filho mais novo que se chamava, creio eu, Eduardo como o seu avô. E o último dos Chingunjis, Alice, carinhosamente conhecida como Lulu. Apenas uma filha dela, que vive em Luanda e cujo pai é o Sr. Isaías Chitombi, um membro da liderança do seu partido, sobreviveu como que por milagre.
A lista é longa, mas a minha intenção é ajudá-lo a lembrar as pessoas cuja memória deve ser honrada pela simples razão de que a Unita deve a sua existência a alguns deles (no período colonial o casal Chingunji foi um pilar da Unita no Moxico, resultando no envio do marido para o Tarrafal e da esposa para São Nicolau), embora uma Unita muito diferente da de ultimamente…
E o que se pode dizer sobre o grande número de pessoas, mulheres e crianças, que foram queimadas vivas? Lembro-me como se fosse ontem, mas foi há vinte anos. Aconteceu precisamente no dia 7 de Setembro de 1983. Eu tremo e não consigo conter as lágrimas quando me vem à memória a trágica cena em que o protagonista, Jonas Malheiro Savimbi, numa pose tresloucada, com a sua boina vermelha e um lenço vermelho à volta do pescoço, e com a sua pistola tipo gangster, supervisionou ele próprio a terrível operação da queima de pessoas vivas! O seu objectivo era o de assegurar a submissão das mulheres mais cultas ou instruídas, de modo a que nenhuma delas se atrevesse a recusar os seus caprichos bestiais. Será que você já esqueceu tudo isso?
Uma das mulheres que foi lançada à fogueira foi a minha prima Judite Bonga. Não posso imaginar que o seu irmão, Jerónimo Bonga, ou o marido, Sabino Sandele, que estão aí consigo, queiram hoje pagar um tributo ao carrasco! Especialmente agora, após o desaparecimento dos mecanismos de coerção que, a meu ver, foram a razão de certas atitudes e comportamentos da própria Unita.
Uma dessas mulheres foi a minha tia Aurora e o seu filho de sete anos de idade, Michel. Parece que estou a ver o Louis Michel, desesperadamente agarrado à saia da mãe. Ela, extremamente corajosa e com um ar tranquilo, olhou fixamente o carrasco, olhos nos olhos, dizendo: "Savimbi, você nunca irá ganhar e terá um fim trágico!"
Então ela correu decidida para o fogo, com a altivez de uma dama caminhando para o seu trono. Toda a honra à sua memória.
Também na mesma linha foi a minha irmã Tita Malaquias, que, com algumas outras pessoas que você conhece muito bem, que conseguiram salvar-se com extremo esforço, sendo enviadas para uma cela subterrânea.
Foi como se eu tivesse sido atingida por um raio, despedaçada… Ly, a minha filha, que tinha então apenas seis meses de idade, foi privada de leite da mãe. O meu leite secou, motivado por tão intenso e brutal choque psicológico.
Havia muita gente nessa linha, incluindo a sogra da sua irmã Catarina, que também era a mãe de Bock, e muitíssimos casos semelhantes.
A extrema misoginia do seu 'herói' não parou aí. Ele organizou ainda mais sessões durante as quais as mulheres foram perfiladas, nuas, para serem brutalmente 'analisadas' pelos seus magos, que perfurando-lhe os órgãos genitais com agulhas enferrujadas, as obrigou a beber a bebida pestilenta, etc etc etc.
Também para lhe avivar a memória, eu sou a pessoa que você sequestrou em 1992, levando-me de Luanda para a Jamba, forçando-me a deixar meus filhos durante um longo exílio. Lembra-se da reunião em que foi decidida a minha condenação à morte, pronunciada por Savimbi? Ainda tenho na minha posse as centenas de assinaturas de pessoas e de organizações internacionais que exerceram pressão sobre Savimbi, pedindo-lhe para me poupar.
E não se sintam tentados a confundir crimes cometidos a sangue frio numa aldeia longe da guerra, que era a Jamba daquela altura, com o resto. Nem pense que é ainda possível, ao estilo totalitário, controlar as mentes do povo e reconstituir esse eterno rebanho de carneiros a quem nunca foi tolerado exprimir a sua palavra.

Estamos agora num Estado democrático, regido pelos princípios do Estado de Direito, e as instituições internacionais estão a trabalhar para garantir que o conceito do Direito se torne um requisito cada vez mais palpável. Temos exemplos muito instrutivos nesse sentido.
É importante para sentir o espírito dos tempos e para voltar a definir o relógio, pois nenhuma empresa pode ser imposta à custa de milhares de vidas destruídas.
Permita-me que lha faça uma pergunta: O senhor não acha isso um absurdo, ao falar de pedir desculpa por erros cometidos, enquanto exalta a acção que causou tantos danos que ainda não foram reparados? São desculpas suficientes para tanta infâmia?
Depois de recordar algumas das muitas atrocidades de Savimbi, você ainda acha que eu sou uma das pessoas que deveriam honrar a sua memória?
Prefiro virar esta página sangrenta, para construir uma estátua à memória dos homens, mulheres e crianças que foram vítimas da fúria sanguinolenta de Savimbi. Nenhum deles teve sepulturas ou enterros: não os tiveram Kambanjela, Ana Isabel, Vinona ou Eunice Sapassa, a ex-presidente da Lima (Organização das Mulheres da Unita), para mencionar apenas alguns.
Obrigada pelo convite, mas eu recuso-o, e peço-lhe também que, de futuro, se abstenha de perturbar a minha paz e tranquilidade.
Bela Malaquias

1 comentário:

Anónimo disse...

olha e como todos meus pessamos q lamento a morte de todos nossos irmãos frizados por ti e que Deus os tenhas,e lhe desejo parabens pela coragem e sabedoria sua B Malaquias