Cem anos depois do golpe republicano de 5 de Outubro, será esta uma república com bom ambiente?
A República Portuguesa respira ar puro ou os seus pulmões estão enegrecidos pelo nepotismo, pelo favorecimento ilegítimo, pelo tráfico de influências, pelos privilégios e pela corrupção?
Olhando para as práticas, para os titulares de cargos políticos ou para outros membros de órgãos de soberania, para o sector do Estado e para as empresas públicas, verifica-se que o País conservou, quando não recuperou, os piores vícios da monarquia, fazendo da esfíngie republicana uma mera fachada. É paradoxal: os reis constitucionais cultivavam, na rua, a dessacralização do poder. A República, porém, fecha-se nos seus palácios. Nos anos 70 e 80 do século XIX, o rei D. Luiz, pai de D. Carlos, ia todas as tardes ao Rossio, beber a sua ginjinha com os amigos. sozinho e sem segurança. Qualquer súbdito poderia trocar dois dedos de conversa com o rei, que se apresentava no seu grosseiro jaquetão burguês, e trocar com ele umas palmadas nas costas. Hoje, qualquer mísero secretário de Estado passa em carros topo de gama de vidros fumados, alheio à plebe. O ar da República está irrespirável.
Expliquemo-nos: os valores republicanos exaltam a probidade na gestão da coissa pública, a transparência na condução dos negócios do Estado, a frugalidade dos representantes do povo, a proximidade entre eleitos e eleitores. Segundo os valores republicanos, não há subditos, mas cidadãos, tratados em pé de igualdade perante a justiça e a lei.
E o que vemos? A Justiça condena os mais pobres e favorece os mais ricos. Os titulares de cargos públicos são inacessíveis e distantes. Os que vivem do dinheiro do Estado, gestores públicos de empresas deficitárias, deputados, autarcas, administradores, pessoal político de inmstitutos, fundações e autarquias têm direito a prebendas, mordomias, carros, motoristas (coches e cocheiros...).
Quando chegam a um cargo político, raramente voltam à base anterior, porque, à sua espera, logo apartece um lugar, público ou privado, que fará render a sua agenda de conhecimentos e interesses. A República replicou os antigos privilégios e fundou as suas próprias castas. O que esta República criou foram novos "condes, duques, marqueses e barões" que, oriundos dos partidos ou de grandes famílias, funcionam em circuito fechado como a antiga nobreza. Esta república tornou-se uma monarquia.
(Excertos de um texto de Filipe Luís, publicado na Revista Visão em 14 de Outubro de 2010)
PS:
É caricato ouvir, da varanda dos Paços do Concelho, em cada comemoração da revolução de 5 de Outubro, os grandes chefes desta república agitar os velhos valores da república contra a monarquia. Basta de hipocrisia. Todos percebemos já porque os novos aristocratas rejeitam um referendo sobre a monarquia e a república. Medo de perder privilégios. Que fique claro, não sou a favor da monarquia, a favor de castas, mas reconheço que é necessário refundar esta República. Uma República que apodreceu pelo vazio da sua ideologia, pela prenhez das suas injustiças, pelo crime das suas irregularidades, pela sobranceria dos seu chefes, pela cegueira do seu poder, pela surdez com que recusa ouvir os cidadãos. Como salvá-la? Já não é possível! O poder republicano tornou-se cobarde, agarrado ao conceito divino da sua origem. Falta-lhe a coragem para matar o rei.
A Constituição deveria contemplar, no seu articulado, a obrigatoriedade de uma Revolução a cada 20 anos. É que o poder corrompe e para evitar esse cancro só mudando, de forma dolorosa, de protagonistas. Perante tantas evidências é urgente, necessário, recomeçar de novo.
AOC
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