terça-feira, 17 de agosto de 2010

OS FOGOS FLORESTAIS EM PORTUGAL

As imagens que as televisões mostram, chocam-nos!
Estes dantescos espectáculos de horror sucedem, porque continuamos a olhar para as florestas de forma inocente e pouco ou nada fazemos no controle do seu crescimento, sobretudo no sub- coberto, cujas plantas ali encontram boas condições para crescerem e se acomodarem. A natureza vegetal é dinâmica e reage favoravelmente à acção das chuvas, aos nutrientes do solo e assim sendo, deparamo-nos com excessiva massa vegetal de natureza vária. Umas, mais resistente ao fogo, embora acabem por ser também “engolidas”, outras, que facilmente se ateiam criando autênticos braseiros.
As grandes manchas florestais contínuas de monoculturas (pinhais e eucaliptais), são verdadeiros “barris de pólvora”. Uma gestão bem feita, é uma atitude urgente a ter na sua protecção, com consequências nas vertentes da paisagem, da valorização dos ecossistemas e fonte de rendimento económico, resultado da actividade “per si”, mas e também cada vez mais com reflexos no turismo, fonte importante de divisas.
As plantações têm de ser, contrariamente ao que actualmente sucede, mais bem estudadas, tendo em consideração os riscos de fogos. A estrutura assente em aceiros, mesmo com larguras consideráveis (6 a 8 vezes o fuste das árvores das bordaduras), tem-se mostrado ineficaz em muitas situações e até ultrapassadas. Algo tem que mudar, considerando que se deve insistir numa prática mais realista, tendo em conta a situação geográfica, no Sul da Europa com forte influência mediterrânica. Existem novas técnicas de plantação, que passam pela redução do contínuo florestal ( áreas compartimentadas reduzidas), mantendo os caminhos e, nas suas orlas, efectuarem-se plantações de espécies mais resistentes ao fogo, folhosas ( naturalmente de crescimento mais lento) que funcionam como zonas estanques aos fogos que possam deflagrar no miolo das florestas de produção, que são, nestes casos, pinhais e eucaliptais.
Que fique claro. Só com uma boa gestão das áreas florestais será possível evitar que, todos os Verões, não se percam milhões de euros que penalizam drasticamente a nossa economia.
A floresta é um bem inestimável para este país, que é essencialmente de vocação florestal.
Os mais idosos afirmam, com razão, que não têm memória de, quando jovens, haver tantos fogos florestais.
Os tempos são outros, as populações do meio rural recolhiam os matos para combustíveis, camas de gado e compostagem dos estrumes. Muitas vezes, dada a frequência da sua recolha, existia até escassez. Desta forma, mantinham as florestas limpas.
Diga-se, em abono da verdade, que por medo, porque as autoridades actuavam com firmeza, ou por respeito à propriedade de outrem, as nossas florestas eram melhor preservadas.
O mundo rural é hoje, infelizmente, pouco valorizado, fruto de políticas globais que o têm reduzido a níveis de baixa importância. Estou convicto, contudo, que virão os tempos de retorno à mãe terra, aquela que é fonte de vida. Para lá caminhamos, cansados que estamos da precariedade do meio citadino.
Claro que a simples gestão da floresta não é suficiente para acabar com a dimensão apocalíptica dos fogos florestais. Em todo este fenómeno de Verão há contornos pouco claros. Os interesses imobiliários de gente inimputável são também causa desta situação. Os pirómanos constituem outro grupo de risco (o código do processo penal, na opinião de muitos portugueses, é brando para este tipo de crime. Por razões economicistas ou outras, liberta estes criminosos que muito contribuiem para que o risco esteja sempre presente). Muito se tem, ainda, falado e escrito sobre os interesses das empresas envolvidas no combate aos incêndios.

Ano após ano milhares de hectares de floresta são reduzidos a cinzas. É urgente perguntar! Quem paga o prejuízo aos proprietários? Quem paga o prejuízo ao país? Duvido que alguma Seguradora esteja disposta a apostar na floresta. Mesmo que o estivesse, a verdadeira riqueza da matéria-prima ter-se-ia volatizado com o fogo.
A boa gestão da floresta tem também a ver com a educação dos cidadãos.Li, num jornal diário, que 94% dos fogos, tiveram intervenção humana.
Todos, neste momento, temos a noção que o clima está a mudar. As temperaturas médias globais subiram alguns graus. Regiões há que de tão penalizadas pelos fogos viram as amplitudes térmicas subir drasticamente, com Verões com temperaturas muito altas e Invernos com temperaturas a atingir valores muito baixos. As florestas têm um efeito amenizador, regulador.
A humanidade não se pode desresponsabilizar da sua acção nefasta, que ao longo dos últimos 80 a 100 anos muito tem contribuído para este estado de coisas.
Em muitas partes do Mundo é altamente penalizadora para o ambiente, fazendo desaparecer ecossistemas para sempre. Tudo isto se reflecte nas espécies tanto vegetais como a animais, tornando a terra cada vez mais pobre e condenando o homem a sérios riscos de sobrevivência.
É urgente mudar mentalidades. Temos que repensar nos interesses da grande maioria. As políticas não podem continuar a ser objecto da orquestração dos grandes interesses económicos. O civismo tem que imperar.

Em Portugal, não falta legislação que corrija procedimentos e acautele os fogos florestais. A questão é sempre a mesma. O incumprimento sem consequências.
A lei obriga a limpeza das matas, sobretudo dos arbustivos (matos) que proporcionam as cargas excessivas do combustível que alimentam os fogos no Verão, num raio de 50 metros das habitações. E o que vemos nós? Floresta paredes meias com as habitações.
Está legislada a criação de centrais de combustão dos resíduos florestais, que outrora eram dispensadas pela acção de limpeza que as populações faziam na busca de combustíveis. Pouco ou nada foi feito neste sentido. A iniciativa privada não mostrou interesse no negócio. Unidas, por regiões, as autarquias bem poderiam ter um papel de relevo no cumprimento da lei. Elas mesmo poderiam construir estas centrais. Lucravam com a energia produzida que viessem a injectar na rede pública da EDP, criavam postos de trabalho e, sobretudo, não viam desaparecer a riqueza da floresta de que tanto precisam, através dos impostos, para os seus exíguos orçamentos; lucravam ainda os proprietários, quer pela preservação da sua floresta, quer pela venda dos matos e outros materiais lenhosos às centrais de combustão.
Aplique-se a lei. Não se assista à inércia das entidades responsáveis. Criem-se políticas de apoio aos que por fracos recursos, não podem limpar as suas propriedades. As autarquias têm um papel importantíssimo a desempenhar na criação de riqueza para o país.

Muito se tem falado e escrito na forma como os fogos florestais são combatidos pelos bombeiros. Embora reconheça que se evoluiu favoravelmente nalguma formação dos bombeiros, estes, a quem presto homenagem pelo seu esforço e dedicação… são voluntários. Esta condição é, por si só, um problema. A coordenação, embora esforçada, é muitas vezes a menos acertada para cada caso. Os meios aéreos são eficazes quando as descargas de água são violentas e pesadas sobre as chamas. O combate no solo resulta quando se faz frente ao fogo, fazendo-se desaparecer o combustível, ou seja, quando se actua com máquinas de rasto. O contra fogo é uma técnica que só especialistas o sabem fazer, de modo a que, ateado numa frente, depois de um cordão limpo de combustível, o fogo avance no sentido do que já lavra. Esta técnica tem em consideração a orografia do terreno, pois o fogo existindo na zona baixa, progride mais rapidamente numa encosta no sentido ascendente do que descendente.
Combater verdadeiramente um fogo florestal com eficácia e rapidez, requer conhecimentos, saber e meios. O relevo, a gestão e eliminação dos matos numa frente previamente estudada, com meios mecânicos, evitando-se a propagação das chamas, isolando tanto quanto possível a área em combate e incidir cargas de água no núcleo das chamas. De nada serve espalhar água em locais de pré incêndio, porque a evaporação dessa humidade acontece num ápice. O ataque é eficaz quando feito à base da chama.
Para um eficaz combate é necessário conhecer a natureza das plantas, tanto as arbustivas como as arbóreas; as suas características próprias desenvolvem temperaturas díspares e tempos distintos de inflamação. É preciso conhecê-las para se actuar em conformidade.
É importante o conhecimento científico da flora e vegetação que está a ser alvo do fogo.
Uma coisa é certa, o país não pode continuar a empobrecer todos os Verões! E, mais grave ainda, a perder vidas humanas, que, generosamente empenhadas, são inocentemente “asfixiadas e engolidas” pelo fogo.
Nuno David
(engº técnico-agrário)
(17 de Agosto de 2010)

Sem comentários: