terça-feira, 9 de março de 2010

Crónica

Como crianças perdidas, os portugueses olham em volta e sentem medo. Medo das vozes que lhes segredam não haver presente, medo dos que garantem impossível o futuro. De entre todas, as vozes que mais angustiam são as que garantem não ter havido passado. Ou seja, não existimos!

Escura, sem estrelas, a noite é habitada por gritos de raiva, por expressões de ódio, numa agonia que, parece, apenas aqueles que estão fora dos círculos do poder sentem.

Dia após dia, ano após ano, Governos e Oposições, na sua eterna luta pelo poder, têm desbaratado recursos, dividido o país entre bons e maus, têm-se mostrado incapazes das reformas que coloquem, definitivamente, o pais fora do abismo da precariedade. E no entanto, quem escuta os diferentes actores políticos, ninguém parece ter culpas do estado a que se chegou. Manhosos, sabem que nós, o povo, temos memória curta, votamos por emoção, nunca por inteligência; sabem que somos como as bestas de carga, que, apesar dos maus tratos dos donos, acorrem pressurosas às suas vozes de comando.

Perante os problemas reais do país, o desemprego, a falência das empresas, a dramática emigração de jovens quadros que tantos recursos custaram aos contribuintes, a criminalidade, as reformas de miséria, a corrupção, a ineficácia do sistema judicial, os baixos salários, a pobreza, a ausência de valores éticos, a ausência de autoridade, a ausência de responsabilidade, o desrespeito pelas leis, o que fazem os políticos? Assobiam para o lado, todos, sem excepção.

Julgando-se donos da verdade, da sua verdade, apesar da História mostrar que não há verdades absolutas, os políticos recusam um Pacto de boa Governação, recusam uma Aliança de Esforços, uma Trégua que Silencie Antagonismos. Vemos, cada vez mais, que apostam no quanto Pior, Melhor. Dir-nos-ão que é assim o jogo da Democracia. Só que o jogo pode levar-nos à autofagia.

Neste momento fundamental, EM QUE ESTÁ EM RISCO A NOSSA SOBREVIVÊNCIA COMO NAÇÃO, exige-se comedimento aos agentes políticos e económicos. Basta de luta pela exclusividade do poder, de indemnizações obscenas para os gestores públicos, de lucros provocadores na Banca ( vejam-se os dividendos de 2009, que apesar de aumentarem em relação a 2008, geraram, através de artifícios legais, menos IRC para os cofres do Estado).

Como na primeira república, andamos a discutir o sexo dos anjos enquanto o inimigo se prepara para nos assaltar as muralhas. Apesar de velha, a dúvida sobre a qualidade sexual de tais divindades não tem solução. São questões de ética, responderão os jornalistas. Talvez tenham razão, mas em estado de guerra exige-se pragmatismo. É preciso vencer o combate antes de se saber quem tem razão. Sobrevivência? Exactamente! Que me interessa a mim, a nós, discussão tão filosófica, inventadas e sublimes questões, sabendo, como nós sabemos, que os anjos não passam de fantasias religiosas?

Acreditem, a nós interessam-nos madrugadas livres de pesadelos!

Um dia destes ainda aparece algum Profeta a prometê-la e apesar de o sabermos falso, acreditamos no devaneio.

AOC


NOTA: Perante a gravidade dos problemas reais deste país, alguém se lembrou de reclamar como imprescindível à democracia, a construção, por um milhão de euros, de uma bandeira da república e, mais recentemente, alterar o rosto do busto feminino do regime.

Tenham juízo, não são estas as soluções que esperamos dos políticos !






OS DOIS EREMITAS - Poema de Khalil Gibran



Numa montanha distante e solitária

viviam dois eremitas

que adoravam Deus

e se amavam mutuamente.


Ora esses eremitas

possuíam uma bilha de barro,

que era a sua única riqueza.


Certo dia

um mau espírito

penetrou no coração do eremita mais velho,

que foi ter com o mais novo

para lhe dizer:

- Há muito que vivemos juntos.

Agora temos de separar-nos.

portanto repartamos as nossas propriedades.


Então a tristeza

apoderou-se do mais novo,

que disse:

- Fico triste, meu amigo,

ao saber que vais deixar-me.

Mas se é essa a tua decisão

assim se faça.


Foi buscar a bilha de barro,

deu-a ao seu companheiro

e disse:

- Irmão, não a podemos repartir.

Fica com ela.


Mas o eremita mais velho respondeu:

- Não quero a tua caridade.

Ficarei apenas com o que me pertence.

A bilha deve ser repartida.


O mais novo respondeu:

- Se a partirmos

para que te servirá a ti

e para que me servirá a mim?


Se concordares comigo,

deitaremos sortes.


Mas o eremita velho

prosseguiu no seu intento:

- Ficarei apenas

com o que me couber por justiça,

e não quero confiar à sorte

nem a justiça nem os meus direitos.

Temos que dividir a bilha.


O eremita mais novo

não teve mais remédio que dizer.

- Faça-se o que desejas,

e já que não a queres,

vamos quebrá-la e reparti-la.


Mas então rosto do eremita mais velho

gritou, alterado pela ira:

- Maldito! Cobarde!


Não és então capaz de lutar?

2 comentários:

Anónimo disse...

Os políticos só pararão quando virem o país destruído. Aí, como são necessários, candidatar-se-ão, de novo, a salvadores da Pátria. É a história da pescadinha de rabo na boca e eles sabem disso. Abaixo a república parlamentar viva a utupia da anarquia. O poder corrompe!

Anónimo disse...

Gostaria de saber um pouco mais sobre Khalil Gibran.