Os Medos que Afligem os Europeus no Início do IIIª. Milénio
Lendo a comunicação social europeia é fácil de constatar que os europeus andam assustados. Há mil anos que não se sentiam assim. A comunicação social faz eco dos seus receios sobre a concorrência dos chineses e dos indianos, mas sobretudo da ameaça como encaram os muçulmanos. O rumo que o mundo está a seguir, e que deixaram de controlar, deixa-os apavorados. Nada será como dantes.
No centro deste pavor, está o medo que os europeus experimentam quando comparam as suas sociedades com aquelas que se estão a impor no panorama mundial. Os europeus não concebem a ideia de abdicarem do seu modo de vida e adoptarem a organização social, valores e tradições destas sociedades.
1. Chineses
A China reclama o estatuto de grande potência mundial. 1 em cada 5 habitantes do mundo é chinês. A ameaça chinesa provém da sua demografia.
Primeiro, com uma mão-de-obra ilimitada e a custos reduzidos, as empresas chinesas produzem grandes quantidades de produtos a preços imbatíveis na Europa.
Segundo, as exportações permitem uma constante melhoria de vida da população chinesa, mas este facto reflecte-se também no aumento do consumo de produtos petrolíferos, fazendo disparar o seu preço nos mercados.
A sociedade chinesa não serve de modelo para nenhum europeu, nomeadamente em termos de direitos humanos. A sua única consolação que estes encontram nesta ascensão da China a potência mundial, é que esta não tem tido uma vocação imperialista fora do sua área directa de influência. A imigração de chineses, apesar de numerosa, não assusta o europeus.
2. Indianos
A Índia irá previsivelmente ultrapassar a China em termos populacionais. A concorrência dos produtos indianos ainda não chegou, mas já se anuncia no horizonte. Por enquanto mais do que os produtos, são os imigrantes indianos quie mais se fazem sentir.
A Índia aos olhos do europeus não é também um modelo de sociedade em que estes se revejam.
A grande consolação dos europeus, face á ameaça indiana é saber que a mesma não tem uma vocação imperialista.
3. Muçulmanos
A primeira vez que os europeus se confrontaram com os muçulmanos foi quando estes os invadiram no século VII, três séculos depois da derrocada do Império Romano. A expansão do islamismo começou pela Europa Ocidental (Península Ibérica). Nesta região europeia acabaram por ser dominados (1492), mas tiveram melhor sorte no sudoeste da Europa (Balcãs), onde são maioritários em países como a Albânia e a Bósnia, mas também muito significativos na Macedónia, Montenegro, Bulgária, Chipre, etc.
A Europa afirmou-se durante quase dois mil como um continente de povos cristãos. Não admira que as guerras entre cristãos e muçulmanos tenham sido uma constante entre os séculos VIII e o século XVIII, quando os últimos deixaram constituir uma séria ameaça. O poder dos europeus mostrou-se capaz de derrotar as investidas muçulmanas, e em particular do Império Otomano (Turco) .
Onde reside hoje o pavor que os europeus experimentam face aos muçulmanos? É difícil tipificar as principais as razões destes medos, tão diversificadas elas se apresentam.
Imigração. Após a IIª. Guerra Mundial, iniciou-se a imigração de muçulmanos para os países europeus. A partir dos anos 80 do século XX, o seu número tornou-se muito significativo em alguns países europeus. A maioria provém das suas antigas colónias ou antigos aliados de guerra. Em França, o número de muçulmanos não para de aumentar, constituindo já hoje cerca de 10% da população. A maioria são argelinos, marroquinos, tunisinos e libaneses. Na Grã-Bretanha, o número de muçulmanos também não para de crescer, a maioria é oriunda do Paquistão e Afeganistão. Na Alemanha, a principal comunidade é turca e ocorre um fenómeno similar. Há quem denomine este fenómeno como Bomba Demográfica Islâmica. Nestes e outros países os conflitos racistas e de xenofobia tem vindo a aumentar. É no interior das comunidades aparentemente mais bem integradas que tem surgido bandos de terroristas que combatem o mundo dito Ocidental.
Petróleo. Os europeus estão dependentes dos fornecimentos de petróleo, nomeadamente do que provém de países muçulmanos. Por experiência própria sabem que as convulsões nos países muçulmanos, tem o condão de lançarem as economias europeias em crises profundas. Reféns do petróleo, os europeus tem que suportar humilhações, chantagens e os humores dos seus fornecedores. No deixa de ser sintomático que os governos europeus, tenham vindo a apelar ao "bom senso" dos seus cidadãos para que se moderem nas suas críticas aos terroristas muçulmanos, a fim de não provocarem tensões com os países que os financiam. Caso contrário, estas criticas podem custar caro, isto é, provocarem aumentos no preço do crude.
Nação Islâmica. Os europeus há muito que sabem que embora os muçulmanos estejam divididos, para a esmagadora maioria a ligação à religião sobrepõem-se à fidelidade nacional. Este facto torna-os pouco integráveis nos países europeus que os escolheram. Nas últimas décadas multiplicaram-se os casos de chefes religiosos muçulmanos, que em vários países europeus, incitam os fiéis contra os mesmos. O primeiro sinal deste movimento, ocorreu em Londres (Grã-Bretanha), em 1989, Kalim Siddiqui criou simbolicamente um "parlamento muçulmano" junto ao de Westminster. Em França, pouco depois estalou a polémica dos véus numa escola pública da cidade de Creil. Eram sinais claros de que a maioria dos muçulmanos se recusava a integrar nas sociedades de acolhimento e faziam questão de publicamente o afirmar.
Não deixa de ser significativo que a actual crise dos "cartoons" (Fevereiro de 2006) tenha foi promovida por chefes muçulmanos dinamarqueses que incendiaram os ódios contra a própria Dinamarca. Um acto que para um europeu cristão seria considerado anti-patriótico, mas que numa concepção muçulmana nada tem de anormal. A fidelidade destes muçulmanos dinamarqueses é primeiro para com a Nação Islâmica e o Islão, e só em último lugar para com a Dinamarca.
Caricatura publicada na primeira página do jornal O Independente, 10 de Fevereiro de 2006.
Em Fevereiro de 2006, algumas das mais ferozes ditaduras do mundo, organizaram manifestações contra a Dinamarca, reclamando o fim da liberdade de expressão na Europa. Dezenas de pessoas morreram nestas acções. Embaixadas de países europeus foram atacadas ou incendiadas. "Somos Todos Dinamarqueses" este acabou por ser o sentimento partilhado pela maioria dos europeus perante a desproporcionada violência face aos actos que alegadamente a motivaram.
Submissão. A submissão é um conceito basilar para os muçulmanos, implicando uma obediência sem limites à palavra de Deus. Ora a palavra de Deus está escrita no Alcorão, e sob a mesma não são admitidas leituras simbólicas, mas apenas literais. Os árabes são o povo escolhido, os guardiões da vontade divina, os seus lugares, os locais de reverência obrigatória. Todos os povos que se convertam ao islamismo, começaram por negar a sua própria história e sentimentos nacionais, para se integrarem na História comum da grande "Nação Muçulmana".
Este princípio submissão é aplicado também aos não crentes (cristãos, judeus, ateus, budistas, etc), aos quais se exige o respeito (submissão) à vontade divina segundo a interpretação que é dada por fundamentalistas islâmicos. Neste contexto, qualquer critica dos não-crentes é sentida como uma blasfémia, um acto intolerável. Os guardiões do Islamismo, cujas palavras ecoam por toda a "nação islâmica" e são capazes de enfurecerem milhões de fanáticos, prometem de forma implacável punirem os blasfemos onde querem que eles estejam. Prometem a morte indiscriminada a todos os infiéis.
Tolerância. A tolerância que a Europa desfruta em termos políticos e religiosos, foi fruto de uma dura conquista. O problema que hoje se coloca aos europeus é o de definirem os limites da sua tolerância. Até que ponto estão dispostos, nos seus próprios países, a tolerar a difusão de ideias que colocam em causa os seus valores, ou a tolerar práticas como a excisão feminina e a poligamia em nome de tradições que lhes são estranhas.
É fácil de perceber, que este panorama não pode durar muito tempo, sem que surjam reacções cada vez mais violentas na Europa, o palco privilegiado destes conflitos. A saída para esta situação passa por diminuir a dependência do petróleo, mas também estabelecer novas regras de convivência. Existe muito coisa em comum entre os muçulmanos e os europeus, mas também muitas diferenças culturais. Tem-se falado sobretudo do que há de comum, esquecendo as diferenças. O problema é que estas não desapareceram, mas antes se aprofundaram.
Os muçulmanos não se sentem europeus, e estes não consideram os primeiros como seus co-cidadãos. A desconfiança mútua está instalada. A Europa tornou-se num barril de pólvora que a qualquer momento pode explodir. Cada novo muçulmano é encarado como um potencial foco de conflito. É hoje evidente que é necessário criar um verdadeiro código de conduta dos europeus para com os muçulmanos e destes para com os europeus, de forma a criar um conjunto de regras que permitam uma convivência pacífica, no respeito pelos valores fundamentais das sociedades de acolhimento. Caso contrário, as tensões raciais irão continuar a aumentar.
Apesar de milhões de europeus professarem a religião muçulmana, a esmagadora maioria recusa um modelo de sociedade com base no Alcorão. Não concebem uma sociedade sem uma separação entre a religião e o Estado, e onde os direitos humanos não sejam respeitados.
Muçulmanos na União Europeia (UE)
Calcula-se que existam na UE cerca de 15, 5 milhões de muçulmanos (3,4% da população). A França conta com mais de 5 milhões, cerca de 8,3% da sua população. Segue-se a Holanda (5,5% - 886 mil), Alemanha (4,9%- 4 milhões), Austria (4,1%- 339 mil), Grécia (4,1% - 450 mil), Suécia (3,9% -350 mil), Bélgica (3,5%- 364 mil), Reino Unido (2,7% -1,6 milhões), Espanha (2,4% -1 milhão), etc.
A maioria dos países europeus tem vindo a tomar medidas para reforçar os mecanismos de integração das comunidades muçulmanas, assim como para controlar os movimentos fundamentalistas. Cada novo imigrante muçulmano é cada vez mais visto como um potencial perigo. Nos últimos anos deixou-se de falar em conflito entre civilizações, para se afirmar que vivemos num clima de verdadeira guerra.
Carlos Fontes
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