'Por qué no te callas', dr. Borges?
por NUNO SARAIVA
DIÁRIO DE NOTÍCIAS-9-05-2012
O "ministro" inescrutinável das privatizações, António Borges, escandalizou meio mundo ao afirmar, em entrevista ao Diário Económico, que "diminuir salários não é uma política, é uma urgência". De Cavaco Silva a Couto dos Santos, dos partidos da maioria governamental aos da esquerda mais encarniçada, dos patrões aos sindicatos, ninguém ficou indiferente às palavras do dr. Borges, num, tão inusitado quanto afinado, coro de indignação coletiva.
Não sei se o dr. Borges, ao apontar esta terapêutica, se estava a referir ao presente ou ao futuro. Pouco importa. O que é de relevar é o conteúdo desta linha de pensamento que, a pretexto do aumento da competitividade da economia portuguesa, parece apontar para um retrocesso civilizacional do tecido trabalhador nacional.
Não é novidade para ninguém que o principal problema da economia em Portugal não são os trabalhadores mas sim alguns empresários e patrões. Não são raros aqueles que, pagos ao nível do sultanato, se revelam verdadeiros analfabetos quando comparados, por exemplo, com um digníssimo afinador de porcas ou um qualificadíssimo operário da indústria têxtil. Isto para já não falar das interrogações suscitadas pelo correspondente financeiro do Le Monde em Londres sobre o facto de alguém, o dr. Borges, ter sido nomeado para a liderança do processo de privatizações em Portugal depois de dispensado pelo FMI "porque não estava à altura do trabalho" que lhe era exigido. Mas isto é, obviamente, secundário.
Portugal já está, e isto são factos não rebatíveis, na cauda da Europa no que respeita aos ordenados auferidos pelos trabalhadores. Por cá, o salário médio e o salário mínimo são, inclusive, inferiores ao que se paga na Grécia. Temos, como é sabido, uma taxa de desemprego que não para de aumentar e, segundo as teorias do dr. Borges, a melhor forma de combater este flagelo será reduzir compulsivamente ainda mais os salários. É porventura natural que alguém que até há bem pouco tempo recebia do FMI 225 mil euros - se calhar isentos de impostos como a sra. Lagarde - e que hoje aufere um ordenado superior ao do primeiro-ministro para aconselhar nas privatizações seja pouco sensível a este tipo de minudências mundanas que condicionam a vida do povo trabalhador.
Caso o dr. Borges tenha andado distraído, é bom que perceba que, em Portugal, se há coisa que tem vindo a ser reduzida ao longo dos últimos anos são precisamente os salários. Seja por via do congelamento ou de aumentos inferiores aos da taxa de inflação, seja por aumentos de impostos ao nível do consumo, como são os casos do IVA da restauração ou dos produtos de supermercado, seja pela suspensão de pagamentos de subsídios de férias e de Natal e pela imposição de sobretaxas nestas remunerações e que, ninguém duvide, vieram para ficar no sector privado, seja por via do agravamento dos escalões do IRS, a verdade é que tudo isto tem concorrido para que o dinheiro disponível para as famílias seja cada vez menor. E, como é evidente, isto significa, em termos absolutos uma baixa real dos salários.
Acresce a isto que, é outra evidência, sugerir, sob o chapéu amplo do aumento da competitividade, que esta se consegue por via da redução salarial é um dislate e um insulto. Considerar que a produtividade com qualidade, condição óbvia além dos custos de produção e de contexto para que haja competitividade, se consegue pagando, por caridade, umas migalhas é patrocinar o regresso ao feudalismo e à escravatura.
Como é óbvio, o problema dos salários em Portugal existe ao nível do topo - uma minoria -, e como sabemos há para aí muitos gestores que não merecem aquilo que ganham, e não ao nível da base - uma imensa maioria.
Como dizia esta semana a professora Teodora Cardoso, defender a baixa de salários por oposição à qualificação e à reorganização da nossa estrutura produtiva é um erro que nos há-de convidar a "sair" da Europa e a mudar de continente. E nos empurrará para o terceiro ou quarto mundo, pondo-nos em concorrência direta (se é que já não estamos nesse patamar) com países muito mais pobres do que o nosso.
Se o que queremos é este caminho de empobrecimento coletivo, pois sigamos o dr. Borges. Se, pelo contrário, queremos voltar a crescer, de forma sustentada e realista, vivendo de acordo com as nossas possibilidades e potencialidades, só nos resta fazer uma pergunta: Por qué no te callas, dr. Borges?