No auditório da Sociedade Portuguesa de Autores, os dois coronéis foram
trocando, entre si e com a plateia, repleta de outros militares, factos, relatos
e interpretações dos acontecimentos vividos desde a Revolução dos Cravos, em 25
de Abril de 1974, ao golpe militar liderado pelo depois Presidente da República
Ramalho Eanes, que instituiu o Processo Constitucional no lugar do Processo
Revolucionário em Curso (PREC).
"Eu sou um dos que sou acusado disso. Não estou a incitar à violência. Estou
a alertar para que a violência vem aí. Venho a fazer este alerta há cerca de
três anos. A figura que criei na altura foi 'vem aí nova revolta de escravos',
se não se alterarem as políticas que estão a ser feitas. Quem está a provocar a
violência é quem está a fazer as políticas", afirmou Vasco Lourenço,
referindo-se a declarações anteriores, num encontro organizado por outro
ex-Presidente da República, Mário Soares, há dias na Aula Magna.
O coronel, assumidamente "moderado" rejeitou ter feito quaisquer "apelos à
violência", mas insistiu que, "se não alterarem as políticas, a violência vai
ser inevitável", adiantando que, tal como as suas palavras, também Soares não
quis incentivar qualquer ação violenta.
"É indisciplina! A burguesia, a classe dominante, a minha classe, fica
extremamente em aflição quando há um prenúncio de violência. É a única
linguagem. Como o Estado burguês tem o monopólio da violência e lhe foge ao
controlo, da polícia, da GNR, a classe dominante fica aflita", comentou Otelo,
por seu turno, sobre a recente invasão das escadarias da Assembleia da República
por parte de profissionais das forças de segurança.
Para o dirigente operacional do golpe militar que depôs o Estado Novo, "vão
continuar a existir coisas dessas".
"Mário Soares fez aquela charla na Aula Magna e avisou que vem aí a
violência. Eu também julgo que sim. Apesar de o nosso povo ser de brando
costumes - o povo é sereno, dizia o almirante Pinheiro de Azevedo -, mas, a
certa altura, quando a coisa extravasa, a criminalidade está a aumentar, pode-se
passar para atos de violência que vão chocar enormemente a classe burguesa que,
depois, é capaz de não ter polícia e todas as forças de repressão para atuarem.
E aí, é um problema", disse.
Relativamente à homenagem fez esta segunda-feira ao antigo Chefe de Estado
Ramalho Eanes, Vasco Lourenço, reconheceu que a figura é merecedora, mas
discordou da data em causa, por poder "abrir feridas".
"Acho que a homenagem é justa pelo passado dele, agora podia ser feita, por
exemplo, no 1.º de Dezembro ou no dia de anos do general Ramalho Eanes. Eu não
estou na homenagem só por isso. Ao fazerem no 25 de Novembro, estão a realçar a
divisão que houve. Já muito se conseguiu, muitas feridas conseguiram ser saradas
e agora estão a reabri-las", justificou.
Sobre Eanes, Otelo classificou-o como "um prussiano", já que se "agarrou à
Constituição como se fosse um regulamento de disciplina militar e tudo o que
fugisse dali, 'corta'".
Saraiva de Carvalho considerou que "o 25 de Novembro representa uma paragem,
uma travagem brusca no PREC, que estava a ter um curso acidentado, um bocado
atormentado, indisciplinado, nos quartéis (...). Que levou ao poder a fação mais
moderada, mais aceite pelo Mundo ocidental".
Analisando a atualidade, Vasco Lourenço defendeu que Portugal está a assistir
à "destruição de tudo o que cheira a Abril", tornando-se um "protetorado de
forças estrangeiras, em que o poder está a vender o país a pataco", caminhando
"para situações que de democráticas têm muito pouco".