Chipre. Rússia declara guerra à Europa no controlo estratégico da ilha do Médio Oriente
Por António Ribeiro Ferreira, publicado em 19 Mar 2013 - 03:10 | Actualizado há 8 horas 41 minutos
Gazprom paga resgate de 10 mil milhões em troca do gás natural. Putin diz que taxa sobre os depósitos é perigosa e Medvedev fala em confisco do dinheiro das pessoas
- O Kremlin não vai ficar de braços cruzados perante as medidas da União Europeia
RIA Novosti/Reuters
É uma ilha estratégica, uma ligação entre a Europa, Ásia e África. Está no Mediterrâneo e tem o Médio Oriente no horizonte. As duas guerras mundiais passaram sempre por Chipre. E foi por esta pequena ilha, dividida entre gregos e turcos desde 1974, que a União Europeia se bateu até à sua adesão em 2004. Outros tempos e outras visões da Europa e do mundo. Agora, os líderes europeus resumem os países a números e esquecem ou não sabem o que é a geopolítica. Só assim se explica a dureza das medidas impostas a Chipre para obter um resgate de 10 mil milhões de euros do FMI e da União Europeia. O PIB não chega a 18 mil milhões de euros e representa apenas 0,2% da economia da zona euro. Com estas certezas, sábado, pela calada da madrugada, o Eurogrupo aprovou o resgate que impunha uma taxa sobre todos os depósitos bancários. Os cipriotas acordaram sábado com a notícia de que iam ficar sem uma parte do dinheiro depositado nos bancos - uma medida tomada estrategicamente no fim-de-semana prolongado pelo feriado de ontem. As reacções internas não se fizeram esperar. Mas, ontem, veio o ataque brutal da Rússia à União Europeia. Por várias razões. Primeiro, porque, segundo a agência Moody’s, em Setembro de 2012, os depósitos de empresas russas em Chipre elevavam-se a 19 mil milhões de dólares (14,6 mil milhões de euros), a que se juntam 12 mil milhões de dólares (9,3 mil milhões de euros) de activos de bancos russos em instituições financeiras cipriotas. Segundo, Chipre possui reservas de gás natural, ainda por explorar, de uma dimensão incalculável. Terceiro, a ilha é um objectivo estratégico no Médio Oriente para uma Rússia que tem o seu principal aliado na zona, a Síria, a braços com uma guerra civil de desfecho imprevisível, alvo não só dos ataques turcos como do apoio aberto da União Europeia e dos EUA.
Gazprom paga resgate A Gazprom, gigante do gás russa, não perdeu tempo e propôs pagar o resgate de 10 mil milhões de euros a troco dos direitos de exploração das reservas de gás do país. A proposta da Gazprom terá sido entregue domingo à noite ao presidente cipriota Nicos Anastasiades, segundo a televisão russa Sigma TV.
Mais cinco mil milhões E não só. A Rússia já manifestou também a sua disponibilidade para ajudar Chipre de modo considerável, estando Moscovo a estudar conceder um novo crédito de cinco mil milhões de euros ao país, a somar aos 2,5 mil milhões já entregues no ano passado.
Putin: “Proposta perigosa” Putin também não perdeu tempo. “Ao avaliar a possível decisão de em Chipre se impor um imposto extraordinário sobre as contas bancárias, semelhante decisão, a ser aprovada, será injusta, incompetente e perigosa”, declarou aos jornalistas Dmitri Peskov, porta-voz do presidente russo. Vladimir Putin fez estas declarações numa reunião extraordinária com a sua administração e conselheiros na qual se analisou a situação na zona euro.
Medvedev fala em confisco “Temos de o dizer francamente: isto parece uma simples confiscação de fundos estrangeiros. Não sei quem teve esta ideia, mas é isso que parece”, afirmou o primeiro--ministro russo, Medvedev, citado pelas agências russas, numa reunião do conselho supervisor do banco estatal russo Vnesheconombank. O primeiro-ministro russo adiantou que a decisão vai obrigar Moscovo a “retirar conclusões”.
Imprensa russa: “Um acto bárbaro” A imprensa russa ainda é mais dura e avança que o novo imposto acaba com a imagem de “uma Europa civilizada” e vai provavelmente provocar uma fuga dos capitais russos da ilha. “A situação em relação a Chipre mostra que as declarações de que a economia europeia é mais desenvolvida e civilizada que a da Rússia não passam de um mito”, lê-se no diário pró-governamental “Izvestia”. O anúncio da taxa “é um acto bárbaro ao estilo soviético”, afirmou ao jornal um especialista, Pavel Medvedev. “Só os bolcheviques faziam essas coisas durante a guerra! Nenhum outro país à beira da falência agiu desta maneira”, disse ao “Izvestia” o milionário Alexandr Lebedev. É a guerra por Chipre. Rússia ou União Europeia? Quem vai ficar com o controlo da pequena ilha que liga Europa, Ásia e África? O dinheiro vai acabar por decidir. E a inteligência, que começa a ser um bem escasso nas capitais da União Europeia.
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