Tropeçar no vilão
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Ocaso de um membro de uma associação criminosa, chamada SLN, que aceitou
integrar a delegação permanente da troika em Lisboa, e que, erradamente, se
costuma designar por "governo", está longe de ser um exclusivo português. A
crise global tem muitas características. É política. É ambiental. É financeira.
É económica. Mas aquilo que a distingue é a sua natureza moral. A crise desfaz
as máscaras e rasga os véus. Logo em 2008, ficou claro que, desde há décadas, os
governos não passavam de obedientes agentes de uma rede de interesses ligados a
uma parte do capital financeiro. O Goldman Sachs, com empregados seus em quase
todos os executivos do mundo, ficou como símbolo de uma realidade mais vasta. O
problema fundamental não reside só em perceber como as nossas democracias são
frágeis e ineficazes. O problema é que a gente que manda, os banqueiros e
especuladores que vivem acima da lei, nos casos Monte Branco, Libor, e outros,
esses homens que, da UE aos EUA, utilizam o crime como ferramenta de trabalho,
essa gente manda, mas não forma uma elite. Uma elite constitui-se em torno de
valores comuns. De uma visão da sociedade. De um projeto de futuro. De uma
capacidade de diferenciar o bem e o mal. Uma elite, se necessário, será capaz de
se sacrificar pelos valores que protagoniza e pelo mundo em que acredita. O
melhor exemplo disso foi dado pela elite financeira no naufrágio do Titanic, em
1912. Dos 400 homens super-ricos que viajavam em 1.ª classe, 70% morreram
afogados. Há registos, recordados num ensaio de F. Zakaria, que nos confirmam
que J. J. Astor, a maior fortuna do mundo de então, acompanhou a sua mulher até
ao bote salva-vidas, recusando-se a entrar enquanto existissem mulheres e
crianças por salvar. O mesmo fez B. Guggen- heim, que ofereceu o seu lugar no
bote a uma mulher desconhecida. Se o Titanic naufragasse em 2013, estou seguro
de que quase todos esses 400 super-ricos chegariam são e salvos, deixando para
trás, se necessário, as suas próprias mulheres e crianças. A gente que manda
hoje no mundo acredita apenas no sucesso egoísta, traduzido em ganhos
monetários, pisando todas as regras e valores. Os aventureiros que conduziram a
humanidade à atual encruzilhada dolorosa não passam de jogadores que
transformaram o mundo num miserável reality show. Tirando o dinheiro, nada neles
os distingue da gente vil, medíocre e intelectualmente indistinta que se arranha
para participar nesses espetáculos insultuosos para com a condição humana.
Quando andarmos pela rua, é preciso ter cuidado. É preciso olhar lá bem para
baixo. No meio do pó e da lama, habita a vilanagem que manda no mundo. Cuidado
para não tropeçarmos nalgum deles...
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