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UM LIVRO PARA AS SUAS FÉRIAS!
TAMBWE-A UNHA DO LEÃO
de antónio oliveira e castro
- uma edição GRADIVA
ENCOMENDE DIRECTAMENTE, SEM PORTES, EM
www.Gradivaencomendas@gradiva.mail.pt%3C/div
OU COMPRE NA SUA LIVRARIA
Sinopse
De Lisboa a Luanda, seguindo por Paris e por bases aéreas bem guardadas na Rússia e na África do Sul, é uma longa viagem sacudida por geografias contrastantes e pelos solavancos da descolonização e do fim da Guerra Fria. Tambwe – A Unha do Leão faz-se disso e de muito mais. É também o percurso interior de Eugénio, à procura da sua infância e da sua razão de ser numa Angola atormentada pela guerra.
Com uma escrita torrencial e opulenta, o autor descola volta e meia da realidade palpável, circunscrita pelo tempo e pelo espaço, e parte para um universo onírico e simbólico, verdadeiro paraíso perdido, porventura para sempre.
Romance de vida e de morte, só uma partitura de Brahms parece restar como energia redentora quando, na noite tropical, se abrem as portas da prisão de Luanda.
(Pedro Vieira)
(EXCERTO DO ROMANCE TAMBWE-A UNHA DO LEÃO)
"À medida que caminhava, penetrando mais e mais no solo, comecei a distinguir vozes que chegavam do desconhecido; era uma monocórdica ladainha com a cadência das orações. Qual o significado daquilo tudo, a passagem secreta, o túnel iluminado por engenhos primitivos, as místicas lengalengas? O que encontraria ao fundo do corredor subterrâneo? Pressentindo-me, as vozes calaram-se; fora traído pela ansiedade do meu passo apressado. Parei, tentando passar despercebido. Precaução vã, tolo engano. Desconhecia, naquele momento, quem se resguardava no recanto secreto; soube, depois, que fora seguido desde o princípio, como só os deuses o sabem fazer. Na omnisciência que tudo vê, tudo sabe, conduziram-me como ovelha tresmalhada ao redil.
Chegado a esta altura do relato, é importante que seja sincero, com a autenticidade que apenas se tem nos poucos momentos decisivos da vida. Raros momentos de verdade que tanto nos podem trazer glória como opróbrio. Mentiria se afirmasse que não senti receio. Aliás, mais do que receio, conheci a cor do medo. Uma cor indefinida, que nos esconde o norte, que nos agonia de pânico. Voltar para trás como um cobarde, para sempre possuído pelo remorso de não ter desvendado o segredo, era sentimento que não queria que me perseguisse. Fugir ao apelo do conhecimento, era desmerecer os antepassados que, empoleirados em frágeis mas desassombradas embarcações, correram tudo quanto era mar à procura de fortuna, aventura e poder. Fugir à surpresa do extraordinário, era recusar o êxtase que transforma o espírito e inunda a alma com cânticos de sons sublimes, cânticos de celestial leveza. E no entanto, grande foi a tentação de tudo largar e correr de regresso ao quarto acolhedor, ao aconchego do leito onde destilara a febre malsã. Só não o fiz porque, vindo de longe, do corredor que se alongava à minha frente como o ventre da baleia que engolira o profeta Jonas, por sobre as vozes emudecidas, por sobre o ruído de água corrente, comecei a escutar algo que me era familiar, que aprendera a apreciar na companhia do meu velho avô.
Majestosa, heróica, romântica, a 3ª Sinfonia de Brahms ecoava num apelo irresistível. Já não era só o meu nome que me reclamava, a música hipnotizava-me os sentidos. Os pilares da confiança reergueram-se e, como criança perdida que reencontra o esteio dos parentes, o aconchego da mãe, o afago do pai, sorri. Do outro lado de lá só poderia estar o feiticeiro que mais admirava, que tantas vezes me segurara a mão e explicara os complexos segredos da vida, os tortuosos e instáveis equilíbrios do mundo dos adultos, na sua voz autoritária, cheia de sabedoria. Prossegui, agora sem quaisquer dúvidas, com o passo apressado, aspirado pelos acordes da orquestra, numa necessidade de chegar, numa vontade de por ponto final à ansiedade que esmagava.
Quando, de repente, me vi dentro da nave grandiosa, quedei-me boquiaberto de surpresa; a irrealidade adquirira a dimensão dolorosa do inacreditável. Impossível tanta beleza, tamanha pujança da natureza. Por mais que me soubesse acordado, julgava-me vítima do embuste do sonho, adejando qual borboleta entontecida pela luz.
Talhada na rocha circunjacente à caverna imensa, uma goela escura jorrava líquidos cristalinos, como se ali nascesse toda a água sagrada do universo; vinha de mansinho, sem ruído, sem remoinhos, de desconhecida profundidade, e deslizava dentro de um leito de pedras cintilantes, para, mais adiante, de novo se escapar, sorvida pelo precipício. Eu, Eugénio, pelo povo chamado “hossi”, o leão que nada teme, filho de uma terra onde todos adormecíamos suspensos pelo espírito, suspirei de emoção, a garganta incapaz do som, embargada que estava pelas lágrimas.
Se o modo como a água brotava, impressionava, misteriosa torrente vinda de inacessível âmago, imperscrutável fonte cavada na dura rocha, gorgolejo de um lago negro de gélida profundidade, o que sobejava da ilusão mantinham-me manietado, incapaz de sujar a sala da meditação, temendo perturbar o equilíbrio daquele universo grandioso. O tecto da nave, perfeita abóbada, era feito em cristal de rocha. A luz, entrando a jorros, sufocava de tanto mistério. Existia um centro, um círculo de sombra como uma íris, e, mais dentro, a mancha negra de uma pupila. Por instantes, ofuscado pelo brilho da abóbada, perturbado pelos contrastes de luz e sombra, deixei de ver, o cérebro enegrecido pelo desmaio que se aproximava. Não sei quanto tempo assim fiquei, talvez breves instantes, talvez a relativa eternidade do momento, quem sabe, o instante sacrificial da morte em que o espírito se espoja aos pés da divindade.
Cumprido o ritual de iniciação, acordei. Acordei aquietado, esquecido da estupefacção, com a sabedoria de todos os segredos e mistérios que habitavam o templo. Acordei com outro sentido, apalpando a pele nova sobre a pele curtida. Via para além, através da matéria; tinha a visão que permite perceber a distância, a escuridão, o silêncio.
Enormes como uma coluna, no preciso ponto de convergência e irradiação da gruta, iluminados em difusa transparência, estavam três homens. Conhecia-os. Conhecia-lhes o porte grave e as manhas; Vapor apoiava-se no seu cajado, o médico americano estalava os dedos nodosos das mãos enormes e o meu avô dava corda à grafonola. Curiosos, olhavam-me com um sorriso cúmplice. Pareciam satisfeitos com o seu poder de sedução. Percebi, só então, com toda a clareza do meu novo sentido, que tudo funcionara como tinham arquitectado. Sentaram-se, quase em simultâneo, como se tivessem estudado o movimento para me impressionar. Os tronos eram humildes, pequenos e singelos bancos de madeira com entalhes estéticos de elementar geometria, cobertos por pele de cabra do mato, no entanto comoviam como se fossem assentos do Olimpo. Era ali o Olho da Terra. Era ali o lugar de toda a sabedoria, era dali que se espiava o mundo. "
UM LIVRO PARA AS SUAS FÉRIAS!
TAMBWE-A UNHA DO LEÃO
de antónio oliveira e castro
- uma edição GRADIVA
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www.Gradivaencomendas@gradiva.mail.pt%3C/div
OU COMPRE NA SUA LIVRARIA
Sinopse
De Lisboa a Luanda, seguindo por Paris e por bases aéreas bem guardadas na Rússia e na África do Sul, é uma longa viagem sacudida por geografias contrastantes e pelos solavancos da descolonização e do fim da Guerra Fria. Tambwe – A Unha do Leão faz-se disso e de muito mais. É também o percurso interior de Eugénio, à procura da sua infância e da sua razão de ser numa Angola atormentada pela guerra.
Com uma escrita torrencial e opulenta, o autor descola volta e meia da realidade palpável, circunscrita pelo tempo e pelo espaço, e parte para um universo onírico e simbólico, verdadeiro paraíso perdido, porventura para sempre.
Romance de vida e de morte, só uma partitura de Brahms parece restar como energia redentora quando, na noite tropical, se abrem as portas da prisão de Luanda.
(Pedro Vieira)
(EXCERTO DO ROMANCE TAMBWE-A UNHA DO LEÃO)
"À medida que caminhava, penetrando mais e mais no solo, comecei a distinguir vozes que chegavam do desconhecido; era uma monocórdica ladainha com a cadência das orações. Qual o significado daquilo tudo, a passagem secreta, o túnel iluminado por engenhos primitivos, as místicas lengalengas? O que encontraria ao fundo do corredor subterrâneo? Pressentindo-me, as vozes calaram-se; fora traído pela ansiedade do meu passo apressado. Parei, tentando passar despercebido. Precaução vã, tolo engano. Desconhecia, naquele momento, quem se resguardava no recanto secreto; soube, depois, que fora seguido desde o princípio, como só os deuses o sabem fazer. Na omnisciência que tudo vê, tudo sabe, conduziram-me como ovelha tresmalhada ao redil.
Chegado a esta altura do relato, é importante que seja sincero, com a autenticidade que apenas se tem nos poucos momentos decisivos da vida. Raros momentos de verdade que tanto nos podem trazer glória como opróbrio. Mentiria se afirmasse que não senti receio. Aliás, mais do que receio, conheci a cor do medo. Uma cor indefinida, que nos esconde o norte, que nos agonia de pânico. Voltar para trás como um cobarde, para sempre possuído pelo remorso de não ter desvendado o segredo, era sentimento que não queria que me perseguisse. Fugir ao apelo do conhecimento, era desmerecer os antepassados que, empoleirados em frágeis mas desassombradas embarcações, correram tudo quanto era mar à procura de fortuna, aventura e poder. Fugir à surpresa do extraordinário, era recusar o êxtase que transforma o espírito e inunda a alma com cânticos de sons sublimes, cânticos de celestial leveza. E no entanto, grande foi a tentação de tudo largar e correr de regresso ao quarto acolhedor, ao aconchego do leito onde destilara a febre malsã. Só não o fiz porque, vindo de longe, do corredor que se alongava à minha frente como o ventre da baleia que engolira o profeta Jonas, por sobre as vozes emudecidas, por sobre o ruído de água corrente, comecei a escutar algo que me era familiar, que aprendera a apreciar na companhia do meu velho avô.
Majestosa, heróica, romântica, a 3ª Sinfonia de Brahms ecoava num apelo irresistível. Já não era só o meu nome que me reclamava, a música hipnotizava-me os sentidos. Os pilares da confiança reergueram-se e, como criança perdida que reencontra o esteio dos parentes, o aconchego da mãe, o afago do pai, sorri. Do outro lado de lá só poderia estar o feiticeiro que mais admirava, que tantas vezes me segurara a mão e explicara os complexos segredos da vida, os tortuosos e instáveis equilíbrios do mundo dos adultos, na sua voz autoritária, cheia de sabedoria. Prossegui, agora sem quaisquer dúvidas, com o passo apressado, aspirado pelos acordes da orquestra, numa necessidade de chegar, numa vontade de por ponto final à ansiedade que esmagava.
Quando, de repente, me vi dentro da nave grandiosa, quedei-me boquiaberto de surpresa; a irrealidade adquirira a dimensão dolorosa do inacreditável. Impossível tanta beleza, tamanha pujança da natureza. Por mais que me soubesse acordado, julgava-me vítima do embuste do sonho, adejando qual borboleta entontecida pela luz.
Talhada na rocha circunjacente à caverna imensa, uma goela escura jorrava líquidos cristalinos, como se ali nascesse toda a água sagrada do universo; vinha de mansinho, sem ruído, sem remoinhos, de desconhecida profundidade, e deslizava dentro de um leito de pedras cintilantes, para, mais adiante, de novo se escapar, sorvida pelo precipício. Eu, Eugénio, pelo povo chamado “hossi”, o leão que nada teme, filho de uma terra onde todos adormecíamos suspensos pelo espírito, suspirei de emoção, a garganta incapaz do som, embargada que estava pelas lágrimas.
Se o modo como a água brotava, impressionava, misteriosa torrente vinda de inacessível âmago, imperscrutável fonte cavada na dura rocha, gorgolejo de um lago negro de gélida profundidade, o que sobejava da ilusão mantinham-me manietado, incapaz de sujar a sala da meditação, temendo perturbar o equilíbrio daquele universo grandioso. O tecto da nave, perfeita abóbada, era feito em cristal de rocha. A luz, entrando a jorros, sufocava de tanto mistério. Existia um centro, um círculo de sombra como uma íris, e, mais dentro, a mancha negra de uma pupila. Por instantes, ofuscado pelo brilho da abóbada, perturbado pelos contrastes de luz e sombra, deixei de ver, o cérebro enegrecido pelo desmaio que se aproximava. Não sei quanto tempo assim fiquei, talvez breves instantes, talvez a relativa eternidade do momento, quem sabe, o instante sacrificial da morte em que o espírito se espoja aos pés da divindade.
Cumprido o ritual de iniciação, acordei. Acordei aquietado, esquecido da estupefacção, com a sabedoria de todos os segredos e mistérios que habitavam o templo. Acordei com outro sentido, apalpando a pele nova sobre a pele curtida. Via para além, através da matéria; tinha a visão que permite perceber a distância, a escuridão, o silêncio.
Enormes como uma coluna, no preciso ponto de convergência e irradiação da gruta, iluminados em difusa transparência, estavam três homens. Conhecia-os. Conhecia-lhes o porte grave e as manhas; Vapor apoiava-se no seu cajado, o médico americano estalava os dedos nodosos das mãos enormes e o meu avô dava corda à grafonola. Curiosos, olhavam-me com um sorriso cúmplice. Pareciam satisfeitos com o seu poder de sedução. Percebi, só então, com toda a clareza do meu novo sentido, que tudo funcionara como tinham arquitectado. Sentaram-se, quase em simultâneo, como se tivessem estudado o movimento para me impressionar. Os tronos eram humildes, pequenos e singelos bancos de madeira com entalhes estéticos de elementar geometria, cobertos por pele de cabra do mato, no entanto comoviam como se fossem assentos do Olimpo. Era ali o Olho da Terra. Era ali o lugar de toda a sabedoria, era dali que se espiava o mundo. "
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