terça-feira, 3 de agosto de 2010

FÁBULA SOBRE MERCADOS


Há 2 anos, os mercados, essa entidade mítica que rege as vidas de 7 mil milhões de almas, acordaram estremunhados para uma crise que não tinham previsto. Mas decretaram, isto é um problema que os americanos resolverão tranquilamente.
Passaram meses e, de repente, os mercados descobriram que a tal crise tinha contaminado parte do sistema financeiro norte-americano. Preocupante, mas não dramático.
Os dias continuaram a passar e, subitamente, os mercados descobriram que havia produtos cujo risco ninguém sabia medir disseminados por muitos bancos. Nova sentença dos mercados: este é um problema circunscrito aos Estados Unidos.
Não contaram os mercados nem com o poder mortal de tais produtos nem com a acção da Admnistração norte-americana, que resolveu deixar cair o Banco Lehmann Brothers. E, de um momento para o outro, o sistema financeiro mundial ficou à beira da catástrofe.
Os mercados entraram em histeria e determinaram aos berros: os Governos têm de salvar os bancos em dificuladades, deixar funcionar os estabilizadores automáticos (i.e., aumentar fortemente os défices orçamentais) e injectar milhões nas economias. E os Governos assim fizeram. Mas, apesar dos milhões injectados nas economias, o ritmo de crescimento destas abrandou vertiginosamente e o desemprego iniciou uma subida em flecha. E o mundo desembocou numa crise económica e social.
Para o sistema financeiro mundial, contudo, surgiram sinais de que o pior tinha passado. E os mercados respiraram de alívio. O regresso ao business as usual estava garantido.
E aí os mercados repararam que os défices orçamentais dos Governos tinham disparado (ignorando que tal acontecera sob sua recomendação). Como é possível tal despautério? Têm de reequilibrar rapidamente os orçamentos. E os Governos assim fizeram.
Aí, os mercados disseram de novo: ah, já apresentaram programas para reduzir drasticamente os défices? Muito bem. Mas essa redução é recessiva. E sem crescimento vocês não vão poder pagar os financiamentos que nos pedem. É melhor começarem a desenvolver políticas públicas para fomentar o crescimento, se não estão tramados connosco, os mercados. E lá vamos nós outra vez...
(Excertos de um texto de Nicolau Santos publicado no semanário Expresso de 24 de Julho de 2010)

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