segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A SUBLEVAÇÃO POPULAR DA MARIA DA FONTE (continuação)


(continuação de um texto publicado em 19-01-2012)

A generalização da revolta

Nos dias seguintes sucederam-se casos idênticos, estendendo a revolta a todo o Minho. Logo alguns dias depois, na vizinha freguesia de Galegos, outras se revoltaram e sepultaram, no chão devido, Francisco Lage. Novamente as autoridades emitiram mandados de captura, mas apenas prenderam Josefa Caetana, que foi remetida para a prisão de Braga. Porém, ao atravessarem a Serra do Carvalho, os seis polícias da escolta são assaltados por centenas de mulheres, que libertam a prisioneira.

Em poucas semanas as arruaças propagaram-se por todo o Minho e Trás-os-Montes e mais tarde pelas Beiras e Estremadura, ganhando progressivamente um carácter político através da organização de juntas revolucionárias que assumiam o poder localmente e recusavam obediência ao governo. Já não era uma questão de Marias da Fonte, antes o país estava perante um movimento insurreccional sem precedentes.

O alarme era já generalizado em Lisboa, particularmente quando foi sabido que em duas importantes cidades, Santarém e Porto, se organizavam juntas revoltosas. Os tumultos multiplicavam-se rapidamente, tomando a forma de uma séria insurreição que lavrava em grande parte do país.

Esta rebelião, iniciada, primeiro em Fonte Arcada, concelho da Póvoa de Lanhoso, em Março de 1846, e depois propagada a outros pontos, ficou conhecida na História de Portugal como a Revolução da Maria da Fonte, ou Revolução do Minho, embora não tivesse sido, no sentido etimológico e político do termo, uma verdadeira revolução. Foi antes uma sublevação popular, o primeiro genuíno movimento de massas dos tempos modernos em Portugal.

Esse carácter popular do movimento da Maria da Fonte é atestado pelo principal visado, Costa Cabral, que a 20 de Abril de 1846, no auge da revolta, proferiu na Câmara dos Deputados uma intervenção onde, apesar de afirmar que 'há uma conspiração permanente contra as instituições actuais, contra a ordem estabelecida, e mãos ocultas que manejam estas conspirações', reconhece que a sublevação em curso no Minho é uma revolução diferente de todas as outras, que até hoje têm aparecido, porque todas as outras revoluções têm tido por bandeira um princípio político, mais ou menos, mas esta revolução é feita por homens de saco ao ombro e de foice roçadora na mão, para destruir fazendas, assassinar, incendiar a propriedade, roubar os habitantes das terras que percorrem e lançar fogo aos cartórios, reduzindo a cinzas os arquivos!. E Costa Cabral continua, reconhecendo que é um revolta sem chefe, na qual pontifica a mais ínfima classe da sociedade, executada por um bando de duas mil e quatrocentas a três mil pessoas, armadas com foices roçadoras, alavancas, chuços, espingardas, com tudo quanto eles podem apanhar.

Era pois o povo que estava em armas, na verdadeira acepção daquelas palavras. Contudo, rapidamente, a revolta popular foi cavalgada pelos movimentos políticos organizados e a ela se associaram todas as forças anti-cartistas e, por uma vez, convergiram numa luta comum todas as forças mais radicais do espectro político, incluindo obviamente a miguelista. Pretendiam o derrube dos Cabrais e mesmo o da Rainha, mas muitos, ainda que sem o afirmarem com clareza, pretendiam também o fim do regime liberal.

A suspensão das garantias constitucionais e a queda do governo

Em reacção à insurreição crescente, por Lei de 20 de Abril de 1846, o governo suspende as garantias constitucionais por 60 dias, passando os crimes de sedição e rebelião a serem julgados em tribunal de guerra.

Nessa mesma ocasião, José Bernardo da Silva Cabral, irmão do todo-poderoso presidente do ministério Costa Cabral, é enviado para o Porto com o objectivo de localmente tentar acalmar a revolta nascente.

Quando as medidas tomadas não estancam o movimento revolucionário, a rainha e os seus conselheiros, genuinamente assustados face à dimensão da insurreição e à rapidez com que se estendia pelo país, consideram demitir o ministério cabralista. Aumentando ainda mais a tensão o General Sá da Bandeira tinha tomado partido ao lado dos revoltosos, formando um exército, e alguns dos principais políticos de então, entre os quais D. Francisco de Almeida Portugal (o reputado 2.º conde do Lavradio), Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque e José Jorge Loureiro, pedem à rainha a demissão do governo.

Naquela transe, D. Maria II, incapaz de controlar a situação, e apesar de sempre ter protegido Costa Cabral, demite o governo a 17 de Maio de 1846, chamando ao poder o 1.º duque de Palmela, Pedro de Sousa Holstein, e o general Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque.

Ao mesmo tempo que punha termo ao ministério cabralista, a rainha nomeava o velho e respeitado general António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha, 1.º duque da Terceira, seu lugar tenente nas províncias do norte do país, com o encargo de reprimir sublevação e restabelecer ali a paz.

Perante a contestação, os irmãos Cabrais deixam Lisboa a caminho do exílio, embarcando no vapor Pachá. Como sempre tem acontecido na política portuguesa, o local de eleição para o exílio é a França, embora depois a tenham trocado pela Espanha.

(continua nos próximos dias)

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