segunda-feira, 17 de junho de 2013

O ESTRANHO FENÓMENO PAULO MACEDO

O estranho fenómeno Paulo Macedo

17/06/13 00:31 | Bruno Faria Lopes
 


Deveria levantar um mínimo de suspeita que o ministro da Saúde na era da ‘troika' surja em sondagens como a publicada pelo "Expresso" como o mais popular do governo.
A popularidade nos tempos que correm é sempre relativa, mas Paulo Macedo consegue mais do que não ser extremamente impopular enquanto desbasta centenas de milhões de euros em despesa com Saúde - consegue a adulação quase unânime de editorialistas e de líderes de opinião que, mesmo sem saberem o que realmente se passa na Saúde, vêem neste ministro todas as qualidades políticas que acusam o Governo de não ter. Como explicar o fenómeno Paulo Macedo?
Para ser justo, parte da explicação jaz mesmo nas qualidades do ministro. Correia de Campos, um bom ministro, foi ao Hospital de São João dizer perante os jornalistas que os médicos tinham de lavar as mãos - o ponto era válido, mas a forma valeu mais uns pós de hostilidade da corporação médica. Paulo Macedo não comete erros destes. Faz o que tem a fazer com a discrição possível. Aparece pouco e não gasta créditos em lições de moral, inúteis para quem procura resultados. Liberto de vaidade, Paulo Macedo é um executivo rodeado por uma equipa que, em contraste atroz com o que se passa em tutelas como as Finanças, sabe gerir a mensagem e a comunicação.
Fiel ao perfil, o ministro neutralizou de imediato o lóbi que mais problemas lhe poderia causar: os médicos. Um aumento salarial encapotado em tempo de crise profunda tem chegado para comprar a paz. A desintegração do outro lóbi problemático, o das farmácias (muito devido à saída do perigoso e eficaz João Cordeiro), foi um bónus inesperado. Relativamente liberto das corporações mais pesadas (e adiando a polémica reestruturação da rede de saúde para depois das autárquicas), Macedo colocou a maior parte do peso do ajustamento na Saúde em dois alvos fáceis: a indústria farmacêutica e os doentes. No primeiro caso a tarefa é mais simples, uma vez que o lóbi da indústria é fraco (representa vários interesses opostos, das ‘big pharma' estrangeiras aos genéricos) e as medidas são de carácter administrativo. E no segundo?
Cortar na despesa com medicamentos e tratamentos deveria ser, em teoria, impopular. Com Paulo Macedo não é. O ministro não inventou o racionamento - que se faz em Portugal há anos - mas encarou-o como uma das formas de eleição para reduzir despesa sem protestos. De que se fala quando se fala em racionar? Fala-se em ter quotas apertadas para a prescrição de medicamentos melhores e mais caros em patologias dispendiosas (como a diabetes e o cancro), fala-se em quotas para o número de cesarianas (cada vez mais decididas como último recurso), fala-se em comparar médicos pelo que prescrevem e não pelos resultados, fala-se em escolher quem se trata - fala-se, no fundo, de gerir muitas vezes ao arrepio dos melhores interesses dos doentes, sem que estes o saibam.
Em plena era da ‘troika' o ministro da Saúde nunca deveria ser o mais popular - que Paulo Macedo tenha conseguido tal feito é uma prova das suas qualidades. Mas que o tenha conseguido apesar daquilo que se está a passar na Saúde é uma prova da fraqueza do debate público. A unanimidade mal informada sobre a sua "aura de competência" é perigosa porque afasta o escrutínio. E a gestão concreta de Macedo devia ser mais escrutinada pelos media, pela oposição (sempre distraída pelas taxas moderadoras) e pelas associações de doentes (contentes com as baixas dos preços). Quando Vítor Gaspar corta salários a consequência é fácil de aferir: há menos dinheiro já. Quando Paulo Macedo gere o racionamento o impacto é opaco e só surgirá algures no futuro, na saúde dos portugueses.

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