segunda-feira, 19 de março de 2012

NAGASAKI, A PORTUGUESA

Nagasaki, a portuguesa

"Academia para conhecer Portugal" é um nome estranho para uma associação, e mais ainda quando fica do outro lado do mundo.

16:40 Sexta feira, 2 de março de 2012
Monumento em Nagasaki aos "26 santos", mártires japoneses e portugueses que aqui foram crucificados.

Templo budista em Nagasaki que foi construído sobre as ruínas da Igreja portuguesa de Todos os Santos
A "Academia para conhecer Portugal" situa-se em Nagasaki, cidade-mártir da II Guerra Mundial, onde foi largada a segunda bomba atómica que selou a derrota do Japão.
A cidade foi fundada pelos portugueses, em 1571, mais de vinte anos depois de terem aportado às ilhas. Hoje, vivem na cidade apenas três portugueses e a associação, fundada em 2010, reúne 26 entusiastas japoneses.
Repare-se: apenas japoneses. O objetivo do grupo é conhecer e divulgar Portugal, a sua comida, costumes, música (quer dizer, por enquanto só fado), tudo o que diz respeito ao país. E porquê? Porque, ao contrário de nós, que já nos esquecemos de que isto existe, eles não. Acham que os portugueses foram muito importantes para eles e a verdade é que foram.
Deixámos aquilo tudo, comida, costumes, e também muitas palavras (e armas de fogo, já agora, que foi o que permitiu ao Japão a unificação do país). Em Nagasaki, também deixámos algum ADN, como me contava hoje o professor Tetsuya Etchu. Como se sabe, onde há um português há mistura feita de gente. "De certa maneira somos mestiços", dizia ele, "embora não se fale nisso". E só ficámos 60 anos.
Em 1614, o cristianismo foi banido e os missionários, jesuítas principalmente, que dominavam o comércio, tiveram de se ir embora se escolheram sobreviver. Os convertidos passaram a "cristãos ocultos" como lhe chamam os japoneses, mas foram sendo perseguidos e massacrados.

Há muitas estórias de Portugal


Hoje, em Nagasaki, há um monumento e um museu aos "26 santos", mártires japoneses e portugueses que aqui foram crucificados. O local, no alto de um morro bem frente ao porto, foi escolhido a dedo. Era aqui que se executavam os cristãos, em levas sucessivas, para que quem viesse do mar soubesse o que o podia esperar.
A história é longa e tem muitas estórias dentro, que não cabem agora aqui. Em 1639, na sequência de uma revolta de camponeses, na sua maioria cristãos, os barcos portugueses foram proibidos de entrar no Japão.
Réplica de uma nau portuguesa num parque infantil em Minamishimabara
Tudo o que lhes dizia respeito foi sendo arrasado e a igreja principal ("De Todos os Santos") convertida em tempo budista (belíssimo, aliás). A repressão da revolta incluiu a "solução final", o massacre de todos os habitantes da região. Apagou-se tudo, menos a memória do povo.
Diz-se que um jornalista dá notícias. Pois bem, hoje, eu, a jornalista, é que fui notícia na rádio e televisão locais de Minamishimabara, a tal região onde se deu a revolta há 374 anos. Também suspeito que passei a fazer parte do museu local, porque a visita foi toda documentada em fotografias e vi por lá outras fotos. Simplesmente porque sou portuguesa. Nada mais.
E isto no Japão, uma potência económica mundial de 127 milhões de habitantes. Perdoem-me o arroubo, mas a grandeza de Portugal é etérea. Não se vê mas sente-se. Mas só quando se está lá fora.

Ler mais: http://expresso.sapo.pt/nagasaki-a-portuguesa=f708749#ixzz1pJ3G1A6n

História
Os navegadores portugueses aportaram pela primeira vez no Japão em 1543, em 1570 fundaram a cidade de Nagasaki, na baia do mesmo nome, onde passaram a habitar. Criaram um centro comercial que durante muitos anos foi a porta do Japão para o mundo, um porto comercial para os ingleses, holandeses, coreanos e chineses. Mas em 1637 devido a uma grande reação interna, os portugueses foram expulsos, e também outros povos ao longo do século XVII . Dotada pela natureza de um belo porto natural, esta cidade foi o cenário da ópera “Madame Butterfly” de Puccini. Apesar disso, a cidade de Nagasaki só ficou mundialmente conhecida em 1945, por ter sido quase totalmente destruída no dia 09 de Agosto, após sofrer um ataque com a segunda bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos.

Luis Fróis

LUIS FRÓIS nasceu em Lisboa em 1532 no seio de uma família ligada à nobreza da corte do Rei D. João III, aos 16 anos, e depois de concluir os seus estudos na área de humanidades, efectua uma breve passagem na corte e ingressa na Companhia de Jesus em 1548. Após dois meses de noviciado, embarca em Lisboa a 17 de Março do mesmo ano, numa viagem para a Índia, sem nunca mais voltar ao seu país natal.
Chega à cidade de Goa a 9 de Outrubro de 1548. Entre 1548 a 1561 inicia os seus estudos no Colégio de S. Paulo. Já nessa altura se distingue pela forma como descreve pormenorizadamente as actividades dos missionários em Goa e Malaca. Foi ordenado padre em 1561. É também em Goa que viria a ter diversos encontros com Francisco Xavier o ultimo dos quais em 1554, que iram marcar profundamente toda a sua vida. Parte para Macau em 1562 e dali inicia a sua viagem para o Japão, como missionário da Companhia de Jesus.

Chega ao Japão a 6 de Junho de 1563, a Yokoseura, (localizada na actual Prefeitura de Nagasaki) no período de apogeu da missão jesuíta no Japão e um mês após o baptismo do primeiro dáimio japonês, (Bartolomeu) Omura Sumitada. Ali começa a escrever uma longa série de cartas, e variadíssimas relações e tratados, nos quais descreve em detalhe as actividades dos padres e da Missão.
O valor histórico destas cartas é inestimável, são os documentos que se conhecem com mais detalhe sobre a vida quotidiana dos missionários no Japão. A análise de alguns desses textos permitirá reconstituir as principais atitudes que o jesuíta tomou face à cultura japonesa, clarificando, de passagem, aspectos do diálogo civilizacional que portugueses e asiáticos travaram na segunda metade de Quinhentos.
Luís Fróis assistiu à destruição de Yokoseura, e refugiou-se mais tarde na ilha de Takushima, no pequeno arquipélago de Hirado, onde inicia os seus estudos de língua japonesa que lhe permitiram mais tarde estabelecer contactos importantes junto de personalidades influentes, nomeadamente em Kyoto, (á época a nova capital do Japão) a onde chega em 1565.
Após a sua chegada a Kyoto conheceu o shogun Ashikaga Yoshiteru, e privou mais tarde com Oda Nobunaga, (o shogun que iniciou o processo de centralização e unificação do poder no Japão e pôs fim a um longo período de guerra civil) tendo em 1569, inclusivamente permanecido por um breve período de tempo na residência privada de Nobunaga em Gifu, enquanto escrevia os seus livros.
Em 1577, passa pelo reino de Bungo, (actual prefeitura de Oita), durante esse período o dáimio local, Otomosorin,converteu-se e é baptizado com o nome, Francisco de Bungo. mais tarde em 1581, Fróis é novamente chamado a Nagasaki, como secretário do Vice-Provincial, o Padre Gaspar Coelho.
Nessa altura e a pedido de Alexandre Valignano, que iniciou a sua Historia de Japam, a qual é ainda hoje uma fonte importante para os estudiosos da história do Japão e da missão jesuíta entre 1549 a 1593.

Luís Fróis acompanha o Padre Gaspar Coelho, como intérprete, na importante visita efectuada em 1586 ao novo líder do Japão, o shogun Toyotomi Hideyoshi, que precede a emissão do decreto de expulsão de todos os missionários no Japão, editado no ano de 1587. Hideyoshi considerava a missão envagelizadora do missionários jesuítas um entrave à reunificação politica do País.
Após a expulsão dos religiosos por parte das autoridades japonesas, Luís Froís continua a desenvolver o seu trabalho como missionário na clandestinidade e consagra a maior parte do seu tempo à redacção do manuscrito da sua História do Japão.
Em 1592, e a pedido do Padre Alexandre Valignano, viaja como seu secretário para Macau, a onde termina o relato da organização da viagem de uma embaixada japonesa a Roma iniciada em 1582, composta por 4 jovens samurais, que chegou a Lisboa em 1584, e depois partiu para Roma, onde foi recebida por Gregório XIII. Esta embaixada deixou a Europa em Abril de 1586 e chegou ao porto de Nagasaki em 1590.
Nessa altura dá por concluída a sua História do Japão, episódio documentado numa carta enviada ao Padre Acquaviva. Mas o seu estilo de escrita não agrada a Valignano; o qual critica severamente muitos dos aspectos de uma obra que é considerada actualmente como referência indispensável a todos os estudiosos da História do Japão.
Todo o trabalho que desenvolveu teve como base a sua experiência pessoal. É um testemunho directo e de certa forma autobiográfico desse momento histórico do Japão e da presença missionária da Companhia de Jesus.
O seu estado de saúde fragiliza-se, Luís Fróis receia que o seu manuscrito se perca em Macau e para que a sua História do Japão fosse salva, decide fazer o sacrifício e volta doente e exausto no ano de 1595 a Nagasaki. Na ultima fase da sua vida deixa-nos os escritos, talvez da sua melhor obra, a onde mais uma vez demonstra o seu profundo conhecimento pela cultura japonesa, o relato da morte dos 26 mártires de Nagasaki de 15 de Março de 1597.

O texto foi enviado passando pelas Filipinas, escapando assim á censura do padre Valignano; mas assim que este tomou conhecimento da acção, solicitou a Roma o arquivo do referido documento, que apenas será publicado em 1935.
Já na ultima etapa da sua vida e com 62 anos, Fróis escreve talvez uma das suas melhores obras: a Relação da morte dos 26 Martíres de Nagasaki em 15 de Março de 1597. Esse texto, serviu para esclarecer certos aspectos discutidos entre os historiadores japoneses sobre a identificação do local exacto do martírio, e foi só no ano de 1956 que o local, (colina de Nishizaka) foi declarado como sitio histórico na cidade de Nagasaki e erigido um monumento representando os 26 mártires na exacta ordem que Froís a descreveu.
Quando Luis Froís acabou de escrever esta obra, o seu estado de saúde agrava-se e acaba por morrer no Colégio de São Paulo em Nagasaki, em 8 de Julho de 1597.
Em 1997, celebrou-se em Portugal e no Japão o 400º aniversário da morte de Luís Fróis com várias actividades comemorativas, entre as quais se destacam a cunhagem de moedas e publicação de selos.
Luís Frois, figura primordial na primeira evangelização do Japão e um nome inegavelmente ligado à vida cultural e religiosa de Nagasaki. Pode ler-se gravado no monumento a ele eregido no Parque dos Mártires, uma frase que resume a sua vida:
“Ele escreveu a História do encontro entre o Portugal e o Japão”.

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