Leucemia. Gene hiperactivo do sistema imunitário é a nova pista da ciência portuguesa
por Marta Reis, Publicado em 05 de Setembro de 2011.
Grupo de Lisboa publica resultados na prestigiada "Nature Genetics". Investigação aponta para tratamentos mais selectivos.
A suspeita do investigador João Barata já era antiga, mas os últimos três anos - e colaborações com cientistas do Brasil, EUA e Holanda - foram suficientes para descobrir uma nova causa para as chamadas leucemias linfoblásticas agudas do tipo T (LLAT), um dos cancros pediátricos mais frequentes, e ao mesmo tempo uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde do sistema imunitário. Em causa está um gene crucial para o sistema imunitário mas, mais especificamente, o processo que passa pela ligação de uma proteína instruída por este gene a um receptor à superfície destes soldados do sistema imunitário, chamado receptor da interleucina 7. Numa altura em que se começa a ouvir falar mais de imunoterapia para doentes do cancro - cientistas de todo o mundo estão a tentar reforçar o sistema imunitário para derrotar as células cancerígenas - a conclusão dos investigadores acabou por ser uma surpresa: o mesmo gene que quando não funciona provoca imunodeficiências graves, portanto seria uma aposta natural na hora de estimular as defesas do organismo, quando funciona de mais contribui para a proliferação das células leucémicas.
A interleucina 7 já está inclusivamente a ser usada em alguns ensaios clínicos com doentes de cancro, explicou ao i o investigador, que coordenou uma equipa de 20 pessoas, das quais seis cientistas da sua unidade de biologia do cancro do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa. "Se administrarmos a proteína a uma pessoa que precisa de aumentar a sua resposta imune, à partida não fará mal. O problema é que se a pessoa tiver já uma predisposição para leucemia por outra razão qualquer pode ser um risco. O estudo acaba por mostrar como ainda há muitas surpresas no cancro, e como estas existirão muitas mais."
O trabalho publicado agora na prestigiada "Nature Genetics" começou por identificar mutações neste receptor e depois por perceber até que ponto estas tinham alguma influência na doença, algo que nem sempre é linear. "Se só tivessemos associado mutações ao cancro o estudo não tinha um décimo do interesse", explica João Barata. Estudados 200 doentes, acabaram por perceber que em 9% dos casos a progressão da doença podia ser explicada pelo funcionamento excessivo deste gene. "Para o receptor funcionar normalmente tem de ter uma mão que é como se pegasse numa pistola e disparasse o gatilho. Nos doentes com leucemia T o que verificamos é que a pistola dispara mesmo sem mão nenhuma e está permanentemente a disparar. A consequência é a proliferação de células e o tumor cresce." Outra característica particular da descoberta é que não se trata de uma mutação única, mas de variações do mesmo defeito nos cerca de 20 doentes para quem esta investigação acabou por explicar a origem biológica da doença. "É como se fossem todos polegares mas que deixam impressões digitais diferentes."
O investigador adianta ainda que uma das grandes novidades deste estudo é que não só identifica as mutações mas antecipa já, com base em estudos preliminares em culturas de células, que há partida é possível eliminar os tumores com medicamentos que já existem - é o caso por exemplo de medicação usada em doentes com artrite reumatóide. Se de facto a investigação avançar com ensaios clínicos, poderá oferecer novas respostas aos doentes. Uma das boas notícias dos cientistas é neste momento 80% dos casos desta leucemia serem tratáveis, tudo indica que esta descoberta será útil tanto para doentes com bom prognóstico como para os casos que até aqui não têm tratamento. A unidade tem--se dedicado ao estudo da leucemia sempre com os dois tipos de doentes em mente: "por um lado ajudar aqueles que já são tratáveis a ter menos efeitos secundários - a quimioterapia utilizada hoje em dia afecta tanto as células cancerígenas como as boas, por isso o nosso objectivo é sermos mais selectivos. Mas a nossa esperança é conseguir tratar melhor doentes que hoje não são tratados."
Além dos medicamentos que já estão disponíveis, os investigadores acreditam que a melhoria dos tratamentos do cancro passa por abordagens ainda mais selectivas por isso querem desenvolver anticorpos específicos para esta peça avariada do ADN, quem sabe mesmo um que reconheça a avaria antes de actuar e resolva o problema. Para isso criaram um novo grupo de trabalho em parceria com a Faculdade de Farmácia, explica João Barata. Sinal de que a ciência portuguesa continua a crescer. "Quando há uma política de longo prazo como tem havido na ciência nacional, os resultados aparecem. A qualidade geral da ciência em Portugal e o volume de produção tem vindo a aumentar e acho que isto a longo prazo também se vai traduzir em resultados que beneficiam a população. Não se trata de fazer marketing - a investigação que fazemos vai no sentido de dar passos para aplicação clínica no futuro. Não sei se esta vai ter ou não, mas ficarei muito feliz quando vir algumas destas conclusões a ter concretização."
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