quarta-feira, 10 de agosto de 2011

ARQUIVOS SECRETOS DO VATICANO - OS SEGREDOS DA EXPANSÃO PORTUGUESA

Os segredos da Expansão portuguesa guardados no Vaticano

05.08.2011 - António Marujo


São mais de quatro séculos de documentação, guardados no Vaticano. Uma obra monumental em forma de catálogo inventaria este fundo precioso e revela o que contêm 14 mil documentos

São 13.811 documentos que mostram a Igreja Católica como ela realmente era, em Portugal, entre o século XVI e os primeiros 20 anos do século XX: revelações sobre a vida nos conventos, processos da Inquisição, desconfianças sobre a Maçonaria, relação com o poder político, nomeações de bispos, movimentações de missionários para África, Brasil e Oriente... "Arquivo Secreto do Vaticano - Expansão Portuguesa - Documentação" foi posto à venda. São três volumes, num total de 2986 páginas, numa caixa com cinco quilos de peso. Inclui um disco com a reprodução das páginas em ficheiro pdf.

Os três volumes recolhem a documentação do fundo da Nunciatura Apostólica (representação diplomática) da Santa Sé em Lisboa, depositada no Arquivo Secreto do Vaticano (ASV). Esta instituição começou por ser isso mesmo - um arquivo secreto, que recolhia a documentação do papado. O ASV ainda sofreu várias contingências históricas: Napoleão transferiu-o para Paris após a conquista de Roma. Os documentos regressariam a Roma, com alguns perdidos pelo caminho. Em 1870, no processo de unificação italiana, o ASV foi também confiscado.

A partir de 1881, o Papa Leão XIII abriu aos investigadores a possibilidade de consulta aos fundos documentais - que ocupam 85 quilómetros de estantes, agrupados em 630 fundos documentais. Hoje, o ASV permanece um dos mais importantes fundos arquivísticos do mundo, quer em quantidade quer na relevância dos documentos.

"É a realidade da Igreja nua e crua", diz ao Ípsilon José Eduardo Franco, historiador e coordenador desta obra, sobre os três volumes postos à venda. "A Igreja Católica sempre foi uma grande armazenadora de informação. Os documentos eram enviados de muitos lados para o centro, no Vaticano." Havia relatórios dos diplomatas, mas também de missionários, de responsáveis das ordens religiosas, além de cartas, ofícios e outros documentos de responsáveis políticos com os quais a Igreja Católica negociava.

Como escavar uma mina

Nesta obra em forma de catálogo exaustivo, são inventariados todos os documentos relativos à Costa Ocidental de África e Ilhas Atlânticas (tomo I), Oriente (tomo II) e Brasil (tomo III). Incluindo processos da Inquisição. Como o libelo acusatório contra Frei Feliciano do Coração de Jesus, da província franciscana dos Açores. Em 12 de Outubro de 1815, em Angra do Heroísmo, este frade era "acusado de seduzir, induzir e planear da fuga de clausura uma sua confessanda, Faustina Isabel, religiosa do Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança da cidade de Angra, a qual viera a ser capturada pela guarda militar na casa de um fâmulo do mosteiro, onde o dito religioso a teria levado para se esconder, após a fuga que ocorrera na noite de 20 para 21 de Junho de 1815".

O réu defendia-se argumentando com a incongruência da acusação: não tinha sido apanhado em flagrante e tinha, até, acompanhado os soldados na busca à religiosa, "a qual se surpreendera ao vê-lo". O frade atribuía ainda a "pessoas mal intencionadas" o seu envolvimento neste caso, mas acabou excomungado, privado do exercício das ordens de padre e condenado a cárcere perpétuo. Mas também a ré Faustina Isabel era excomungada e condenada a dez anos de prisão.

Há também documentos traduzindo as desconfianças nascentes sobre a Maçonaria. Em 1868, uma carta de Joaquim Martins de Carvalho, director do jornal Conimbricense, comentava a declaração do cónego João Cardoso de Nápoles segundo a qual este não pertencia à Maçonaria. Carvalho apresentava documentos que garantiam que o padre Nápoles pertencia à loja Pátria e Caridade e apontava ainda outros clérigos que também integravam a Maçonaria.

Havia também, claro, relatos de testemunhos mais condizentes com a vocação cristã ou monástica, nomeadamente no que dizia respeito à actividade missionária. E ainda questões relativas à relação com o poder político. "Os problemas eram diferentes consoante as regiões, mas os relatórios e os documentos dão conta da vida e do que corria bem ou mal", diz Eduardo Franco.

Também a questão cultural está presente no conjunto. "Os avanços e recuos da europeização, da aculturação da mensagem cristã, da sua inculturação" parassem aqui reflectidos, diz o coordenador. Os jesuítas são pioneiros, com a questão dos ritos chineses no século XVII, na tentativa de inculturação do cristianismo, que só seria plenamente aceite no século XX.

Este projecto, que teve uma primeira fase entre 1998 e 2000 e foi depois retomado em 2004, é como escavar matéria-prima numa mina, diz José Eduardo Franco. "Recuperámos os documentos, fizemos a síntese do seu conteúdo, agora cada investigador terá de retirar as pepitas que ele contém."

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