quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CALÇADA PORTUGUESA - PORQUE O ESTADO É MAU PAGADOR, É ASSIM QUE DEVE SER TRATADO!

Um calceteiro, uma dívida e uma história de fazer saltar as pedras da calçada

por Sílvia Caneco, Publicado em 10 de Agosto de 2011

A autarquia de Beja não saldou as dívidas de uma obra. Em resposta, o subempreiteiro tomou uma atitude radical e recolheu as pedras que já tinha colocado na avenida.

Um homem endividado, mas honrado é capaz de tudo para limpar o seu nome. Nem que tenha de deitar para o lixo as horas que andou a trabalhar de joelhos ou de cócoras a picar a pedra. Se o preço a pagar é estragar a sua própria obra, então, há que ter coragem. Sábado, Roosevelt Fernandes, subempreiteiro de uma obra na aldeia da Salvada, concelho de Beja, agarrou nas picaretas e em dois funcionários e voltou à obra inacabada da Avenida 25 de Abril. Acto contínuo, começou a remover a calçada já colocada.

Três homens, picaretas na mão e as pedras a saltarem uma a uma. No final, essas e outras pedras amontoadas a um canto tiveram todas o mesmo destino. Seguiram viagem numa camioneta. Porque vai um homem arruinar o seu próprio trabalho? Porque a autarquia não pagou ao empreiteiro da obra, que não pagou ao subempreiteiro e que, por sua vez, não conseguiu pagar a pedra ao fornecedor. Perante os sucessivos azares, Roosevelt tomou uma decisão: já que não pode pagar a dívida ao vendedor, pelo menos entrega a pedra.

O presidente da Junta de Salvada, Sérgio Engana, ainda tentou travar o subempreiteiro. Ligou ao chefe de gabinete do presidente da Câmara de Beja a dar conta da situação, mas já era tarde: os três calceteiros já tinham retirado um metro quadrado de calçada.

"Não tenho problema nenhum em perder o meu tempo, porque pelo menos não perco a pedra e lavo o meu nome", desabafou Roosevelt Fernandes ao i, acrescentando que se a autarquia não saldar a dívida de 22 mil euros até hoje, irá voltar à avenida e retirar os mil metros quadrados de calçada que restam para devolver ao fornecedor.

Jorge Pulido Valente, presidente da Câmara de Beja, responde com outro ultimato: se o subempreiteiro arrancar o resto da calçada, a polícia será chamada ao local "porque as coisas não podem ser resolvidas dessa forma". Ao i, o presidente da autarquia confirmou que existe, de facto, uma dívida para saldar, mas disse desconhecer qual o montante. Garante, no entanto, estar nos planos da câmara saldar "as dívidas todas" e agendar com urgência uma reunião com o empreiteiro e o subempreiteiro da obra. Pulido Valente admite, porém, que a câmara enfrenta "problemas financeiros" e para já "não será possível saldar o montante total da dívida". "Vamos ter de conversar para encontrarmos uma solução."

O presidente insistiu em sublinhar que "o que está em causa neste momento não é um problema da câmara com o subempreiteiro, mas um problema entre o empreiteiro-geral e o subempreiteiro." Roosevelt Fernandes contrapõe: "Nós é que fizemos o trabalho e nós é que levámos o material para lá, nós é que o vamos ter de pagar." A empresa de Roosevelt Fernandes - a Romocalçadas - foi subcontratada pela Aquino Construções, a quem a câmara adjudicou a obra. Como se esta história não fosse já demasiado insólita, resta acrescentar que a Aquino Construções está neste momento em processo de insolvência.

As obras de requalificação da principal artéria de Salvada, orçamentadas em 230 mil euros, tiveram início em Outubro de 2009 e o prazo previsto para a sua conclusão era de 180 dias. Segundo o presidente da Junta, "a autarquia anunciou sucessivos prazos nunca cumpridos". Como Roosevelt Fernandes deixou de receber há oito meses, desde Fevereiro que "a obra ficou abandonada". "O que é censurável é que a autarquia até foi alertada para encontrar soluções financeiras que permitissem pagar a obra e não cumpriu", acusa Sérgio Engana. No meio deste braço-de-ferro, está a população de Salvada, que há dois anos anda a passear "entre pó e lama", critica o presidente da junta, que já deu o prejuízo como inevitável e agora só reza para que o subempreiteiro não cumpra a palavra e deixe ficar o que ainda sobrou.

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