terça-feira, 4 de junho de 2013

ANGOLA - CONVERSAS DO "27 DE MAIO" PARA O JANGO, JÁ!


Conversas do «27 de Maio» imediatamente para o jango!

Por Celso Malavoloneke

 Trinta e seis anos se passaram desde que  aconteceu o que, hoje  por hoje, já é unanimemente aceite como um dos  maiores massacres da Angola  Independente, curiosamente,  apenas dois anitos depois do «11  de Novembro» de 1975. Por causa de divergências ideológicas no  seio do MPLA, então Partido-Estado, milhares de pessoas foram mortas, grande parte delas  sem certificado de óbito nem  local conhecido de enterro. O  que, no contexto africano «que  estamos com ele», significa dizer  que a pessoa não morreu. Ou se  morreu, o seu espírito anda vagueando por aí, importunando  os sonhos dos seus descendentes,  no clamor por um competente  «komba», para que as cinzas do  óbito voem para o reino dos ancestrais…

Ano sim, ano também, desde  1990, quando o país se abriu aos  ventos da democracia, é sempre  a mesma coisa. Os descendentes  dos mortos e desaparecidos clamam pelas cinzas e paradeiro de  parentes, que só o muito tempo  mesmo desde a tragédia – e um  ou outro boato nunca confirmado – vai insinuando cada vez  mais insistente que a vida que o  coração reclama é mesmo vida  de um morto. Enquanto a vozinha da esperança, cada vez mais  ténue, vai insistindo num milagre, sempre possível, que traga  com vida o parente há tanto desaparecido. E assim, em milhares de famílias nesta angustiante  situação, ninguém ousa chamar  o ausente de «falecido». Fica-se  pelo meio-termo mais prudente  de «desaparecido».

Nem os ensaios algo tímidos  das autoridades – afinal ainda as  mesmas – de mea culpa embrulhada numa retórica propagandística que torna tudo mais ininteligível – qual mulher apanhada  em adultério que desconsegue  confessar em linguagem terra-a-terra que andou a se deitar por  aí – nem as homenagens póstumas cozinhadas algures em «ga-binetes de pensologia» e nunca  conversadas por ninguém; muito  menos as conversas de quintais  no funje de sábado, depois de uns  tintóis a mais essas muito menos), logram desfazer esta angústia que só não resvala em revolta  porque há feridas mais recentes  por sarar e lembranças «mais  piores» por esquecer. Até quando este status quo se vai manter  é a questão que fica para gerações  menos acoitadas e por isso mais  afoitas responderem. Mas, para  as quais já houve um aviso: quando o «27» aconteceu, elas sequer  haviam nascido, pelo que o que  têm a fazer é calar a boca.

Como se a trágica  herança tivesse mais ou menos donos nesta  «comunidade mwangolénica»;  como se os herdeiros directos  ou indirectos dos perecidos e  perecedores tivessem tempo ou  pachorra para prestar atenção a  discurso tão esfarrapado…

Por isso, o Semanário Angolense decidiu trazer à ribalta,  como nos outros anos – ano sim,  ano também – este amargo pendente, cujo «ciclo cíclico» já há  muito aconselha uma nova abordagem. Dez anos depois do calar  das armas e dois ciclos eleitorais  já completados depois disso, o SA  propõe um olhar com os olhos de ver a «velha mas sempre nova»  questão do «27 de Maio».

E a proposta, desta vez, é que  olhemos para a tragédia do ponto de vista do futuro e não do  passado. Por outras palavras,  não nos desgastemos mais com  pensamentos sobre quem matou  e quem morreu. Como matou e  como morreu. Como podia ter  morto e não matou. Como podia  ter morrido e sobreviveu.

Em vez disso, propomos uma  visão centrada no futuro, pois  o passado é passado e não volta  mais, como diria o poeta. Como  deveremos fazer para que as feridas se sarem. Para que os ódios  se esbatam. Para que os ressentimentos desapareçam e com eles  as sedes de vingança. Para que
os herdeiros dos mortos, feridos  e desaparecidos possam dormir  em paz, sem serem importunados por pesadelos de mortos em  busca dos seus óbitos ou de lembranças manchadas de dor e de  sangue. Numa palavra, enviar o  «27 de Maio» para o jango das  conversas, para que resolvamos  aí o «prubulêma». E quanto mais  cedo isso acontecer, maiores serão os ganhos.

Feita a proposta, convidamos  os leitores a acompanharem-nos  neste dossier, que talvez possa ser  o primeiro (?) passo da caminhada rumo à cartase que se impõe,  para se exorcisar os demónios  que persistem à volta do «27 de  Maio». A unidade da Nação assim o exige. ■

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