HERESIAS
O “IMPÉRIO” CONTRA-ATACA - I
* Hoje, por uma vez, vou tratar de coisas sérias: o BPN.
* Não das causas que provocaram o inevitável colapso de um Banco que era gerido como, entre nós, se gere habitualmente a “coisa pública”: quer-se, faz-se, que dinheiro não é problema – e, para mais, ninguém terá o topete de vir por aí pedir contas (e se um ou outro amigalhaço sair contente, tanto melhor). Mas do modo como o assunto foi, e está a ser, (mal) resolvido.
* Importa desde já desfazer dois equívocos que foram postos a circular de mansinho: (i) que o BdP foi apanhado completamente desprevenido; (ii) que BPN e BPP são frutos da mesma árvore. Puro engano.
* O BdP mantinha no BPN desde, talvez, 2005 equipas de supervisão que acompanhavam, de perto e em permanência, as operações que o Banco ia levando a efeito. Quais? Não sei. Sei, sim, que da parte do BdP não houve desatenção, mas incompetência, incompetência pura e dura – que ninguém, até hoje, se dignou explicar. E da qual, que se saiba, nenhum consequência foi extraída.
* O BPP, esse, é um simples caso de burla:
* Burla quando prometia aos clientes aplicações em Fundos de Investimento – e, na realidade, lhes entregava umas loan notes (assim mesmo, em inglês, que a CMVM até achava sofisticado; com muita, mas mesmo muita boa vontade, títulos representativos de empréstimos que não poderiam ser livremente transmidos e que nunca ninguém viu);
* Burla porque quem emitia esses títulos de dívida eram, dizia, Sociedades Instrumentais (sedeadas nas Ilhas Virgens Britânicas), cuja existência legal nunca foi verificada;
* Burla porque, mesmo se essas Sociedades Instrumentais alguma vez tivessem tido existência legal, nunca poderiam ter emitido as tais loan notes, por manifestamente não preencherem os apertados requisitos que aquele Centro Financeiro Offshore exige para o efeito;
* Burla porque o BPP dava o património (carteiras de Obrigações) dessas Sociedades Instrumentais como garantia para os financiamentos que contraia em proveito próprio;
* Burla porque, no processo de acordo com os clientes, foi reconhecida aos créditos que o BPP reclamava dessas Sociedades Instrumentais uma graduação superior à das loan notes (quer dizer, o BPP será pago antes dos clientes que enganou);
* Burla porque a Comissão Liquidatária do BPP, com o consentimento do BdP, se pagou dos rendimentos que as Sociedades Instrumentais (ou esses tais patrimónios) iam gerando (e foram rendimentos substanciais) em prejuízo dos titulares das loan notes;
* Burla que não se circunscreve aos que geriram o BPP durante os “anos dourados”, como se vê;
* Burla, enfim, porque decorrido todo este tempo, com tanta e tão forte evidência, o caso ainda não foi presente a tribunal (talvez porque o BPP não fosse o único Banco a praticar estas “engenharias financeiras” que BdP e CMVM viam com benign neglect).
* O BPN, pelo contrário, é apenas mais um caso de gestão danosa que, visto isoladamente, pouco tem que se lhe diga. O que merece análise atenta é a solução que lhe foi dada. Para isso, há que recordar como reza o guião para liquidar um Banco que caia em crise insanável.
* É um processo que se orienta por duas singelas regras:
* Preservar o normal funcionamento do sistema de pagamento;
* Evitar que a crise localizada se propague às restantes Instituições Financeiras e às Entidades de Investimento Colectivo (Fundos de Pensões, Fundos de Investimento, etc.).
* Tudo muito simples de enunciar, como se vê - mas que, sem dúvida, dá trabalho a concretizar.
* Para que o sistema de pagamentos fique incólume, os depósitos (à ordem e a prazo) são logo garantidos, ou por um esquema específico (o Fundo de Garantia de Depósitos, em Portugal; o FDIC, nos EUA; etc.), ou, se esse esquema não existir, pelos contribuintes – que serão chamados a respaldar a actuação do Banco Central (e não o Tesouro), reembolsando-o dos fundos que despender.
* Sem essa garantia, a indisponiblidade dos depósitos (por força da insolvência do Banco depositário) provocará uma quebra imediata e abrupta na liquidez em circulação (os depósitos nada mais são que
a parcela maior dessa liquidez) com consequências tanto mais nefastas para a economia real quanto maior for a importância do Banco em crise para o sistema de pagamentos.
* A garantia dos depósitos visa sossegar os depositantes, em geral, que poderiam olhar para os restantes Bancos com suspeição – desencadeando uma “corrida aos Bancos” (e aos Fundos de Investimento) que lançaria o caos no sistema de pagamentos e, consequentemente, na actividade económica, no emprego e no rendimento.
* O outro canal de contágio (diz-se, de risco sistémico) são os mercados interbancários. Daí que um Banco Central ciente do que dele se espera:
* Promova, de imediato, a compensação automática das posições a débito e a crédito que o Banco em crise tenha junto dos restantes Bancos;
* Assegure que os Bancos credores líquidos do Banco em crise sejam imediatamente pagos, sem esperar que este seja liquidado.
* E para que accionistas e restantes credores (outros, que não os depositantes) do Banco em crise não saiam injustificadamente beneficiados, quer a garantia prestada a favor dos depositantes, quer a intervenção do Banco Central nos mercados interbancários, serão pagas em primeiro lugar na liquidação da massa insolvente.
* Ou seja, o prejuízo da má fortuna, ou da má gestão, recairá por inteiro e inapelavelmente sobre os accionistas e os restantes credores do Banco insolvente. Os contribuintes, esses, só serão chamados a cobrir prejuízos se a liquidação da massa insolvente não der sequer para reembolsar aquelas garantias e os montantes despendidos pelo Banco Central.
* Para que não restem dúvidas: se, no processo de liquidação de um Banco em crise, os contribuintes forem chamados a pagar € 1 que seja, accionistas e restantes credores (incluindo empregados por remunerações devidas e não pagas) ficarão a ver navios. É duro, mas é assim – para que a insolvência de um Banco não arraste toda a economia, como um buraco negro. (cont.)
A. Palhinha Machado
Janeiro de 2013
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