sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A AGENDA DOS MOTINS MILITARES


A agenda dos 'motins militares'

por JORGE SILVA PAULO*03 Fevereiro

Têm surgido nos media declarações de militares reformados sugerindo a iminência de motins militares. Tiveram origem em posições políticas opostas, e que nada devem à moderação. É bom que o centro, pelo seu silêncio, não deixe os extremos monopolizar o espaço mediático.

Que os militares na reserva (fora da efetividade de serviço) e na reforma se exprimam nos media, é um exercício normal de direitos numa sociedade livre. Nuns casos, merece ser discutido; noutros, é de ignorar. É assim em todos os domínios; é normal em liberdade.

Já é reprovável pretender dar a ideia de que as Forças Armadas seguem as suas teses. As Forças Armadas são representadas pelas chefias institucionais e pelo Governo, que têm, e bem, desvalorizado essas declarações. Mas, sobretudo, porque sugerem antes uma confusão (interpretação benigna) ou uma manipulação (interpretação não benigna).

É sabido que se encontram mais facilmente culpas nos outros do que em nós: nunca somos bons juízes em causa própria. E é mais fácil apontar emotiva e publicamente aos outros (sobretudo, ao Governo...) o que - segundo os nossos interesses - serão as suas falhas. Proclamar uma posição moralmente superior de uma corporação é ousado; ela tem de estar numa posição invulnerável.

A prudente análise ética levará antes a assumir que "todos" podem ter "razão": cada lado pode guiar-se por códigos morais, e até moralidades, distintas - sem o saberem, quiçá, porque nem querem saber.

Sendo mais concreto, concordo com a Constituição e a lei, em que os militares no ativo numa situação de crise, como a que Portugal vive, têm dois deveres especiais: serem exemplares no respeito da ordem constitucional, não sobrevalorizarem os seus interesses pessoais e não usarem a sua posição para os prosseguirem.

Primeiro, de facto, a ordem constitucional não está em perigo.

Segundo, os militares não têm uma alternativa melhor para oferecer ao País. Nem têm de ter.

Terceiro, não se podem proclamar, coletivamente, hoje, aqui, como "reserva moral da nação"; as pretensões de fim da suspensão das promoções, dos subsídios e da fragmentação de hospitais militares e a aquisição de mais equipamentos sofisticados (cuja lógica não seja partilhada por todo o país) tornam improvável que, pelo menos hoje, quem defende aquelas medidas tenha valores morais mais elevados do que os políticos.

Quarto, como grupo social, os militares (pelo menos, os oficiais) estão longe de estar entre os portugueses mais desfavorecidos. Isso recomenda recato e apela ao espírito de sacrifício, que alguns reclamam ser apanágio dos militares, mas que parecem achar depender do "receber".

Por fim, não me parece que as Forças Armadas tenham estado muito disponíveis para atender ao que a nação tem pedido. Por exemplo, os meios que as Forças Armadas têm pretendido adquirir seguem uma lógica que poucos portugueses fora do meio militar entendem. Dou apenas um exemplo: ouvem-se populares e dirigentes do Estado a defender uma guarda costeira portuguesa, a que a Marinha se submeta, mas a Marinha tem-se oposto a tal submissão. É isso que revelam a campanha e o slogan do "duplo uso". Poderia dar exemplos nos outros ramos, que convergiriam genericamente num esforço de sobrevivência de um modelo que não querem ver mudado.

Enfim, a probabilidade de haver motins militares nunca é zero. E pode ter aumentado com esta crise. Mas as posições públicas e manifestações de alguns militares não revelam a necessária superioridade moral para eles terem eco. A impressão que fica é que há outra agenda, em ambos os extremos, que visa incitar os mais exaltados a fazer algo que só prejudica Portugal. Atiram gasolina para a fogueira, para depois virem dizer que avisaram que a madeira era explosiva.

*Capitão de Mar e Guerra (na reserva)

DN - Agenda dos motins militares - Resposta

Aconselho-vos a lerem primeiro o artigo do DN, acima, para melhor perceberem o alcance desta resposta magnífica de um tal José Botelho (Carvalho Araújo?), que deve actualmente ser um jovem CMG no activo.
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Silva Paulo,
Camarada,

Há dois tipos de militares: os que sempre se sacrificaram na sua profissão aos interesses do país e da instituição, de forma humilde; e os outros, inconsequentes, ou ao serviço do próprio umbigo e da sua
agenda própria. Quando escreves um artigo como o que acabaste de publicar no DN assumes necessariamente, pelos recados que dás, uma posição de superioridade que não é compatível com o que fizeste ao serviço da Marinha. Isto para ser directo e sem rodeios. Quanto à essência do artigo temos a dizer-te o seguinte:
Relativamente à Defesa da Constituição e do compromisso que assumimos de defender por via dela o regime democrático, não aceitamos qualquer recado teu, QUEM TE JULGAS TU? Temos a certeza que não te encontraremos na barreira daqueles que não se importam de dar a vida, um dia, para defender a nossa democracia, a nossa pátria, se assim for necessário, sem retóricas, sem medos e sem desculpas. Mas daí a criticar, e a passar de forma pública um ralhete ao genuíno descontentamento daqueles que servem actualmente nas Forças Armadas vai um grande passo que, como afirmas, tem que ser dado por alguém com um estatuto ético-moral acima de qualquer nota. E neste caso, a nota
nunca é a opinião do próprio sobre si mesmo.

Quanto ao Duplo uso, acho que estás muito confuso e parece-me que, como nunca andaste no mar (nós pelo menos não nos lembramos de te ver lá; talvez só de vez em quando na vedeta), tens dificuldade em perceber.

A Marinha é de Guerra, é essa a natureza, é essa a forma como estão definidas as Forças Armadas na Constituição, é esse o entendimento comum do cidadão. Consequentemente a sua missão primordial é estar apta a defender o país em termos latos mas também e se necessário em termos restritos. Claro está que numa visão economicista (eu diria mais, estreitamente contabilística das Forças Armadas), elas são uma despesa que não gera por natureza benefício económico. Assim, em razão desta motivação contabilística, ficam as Forças Armadas reféns das mais variadas investidas, muitas vezes da própria classe política dirigente, por vezes mal informada por tipos como tu, com uma visão
estratégica limitada e uma incompreensão crónica pela instituição militar (no que os militares também têm a sua quota de responsabilidade).

No actual estado do País, um punhado de espertos, grupo a que pertences (pois existem em todos os tempos e em todas as épocas de dificuldades, surfando na crista da confusão para se arvorarem em
arautos da transformação, sem serem responsabilizados pelos seus actos e afirmações), vêm advogar um sentido de utilidade imediata para as Forças Armadas, não relevando a essência destas. Essa essência está no potencial de combate, e na sua importância na dissuasão e na afirmação dos interesses nacionais em tempo de paz e no contexto das alianças militares. Em último caso, são estas que nos protegem e garantem a nossa sobrevivência enquanto nação, como o instrumento crucial de defesa colectiva. Não pensamos como tu, que há que demostrar ao público a sua utilidade imediata destruindo se necessário a sua coesão organizativa, material e pessoal, ora transformando o Exército em bombeiros e guardas florestais, a Marinha em guarda costeira e em nadadores salvadores e a Força Aérea num destacamento aéreo de combate aos incêndios e transporte de VIPs. Somos visceralmente contra esta visão redutora e essa sim claramente anticonstitucional. Já que falamos do primado da lei, se a classe dirigente quer fechar as Forças Armadas, que o faça com a maioria de 2/3 que a Constituição exige e de forma transparente ao cidadão nacional, e não por via da suborçamentação crónica, de reestruturações sucessivas que nos entretêm e não nos permitem fixar um rumo e cumprir com a função para a qual existimos.
Ninguém neste Mundo poderá afirmar com elevada certeza ou probabilidade o que o futuro nos reserva. Basta olhar para a situação económica e financeira internacional para vermos que o que ontem nos parecia uma certeza absoluta e insofismável passou a ser fluído e quiçá quimérico. As únicas certezas são a imprevisibilidade e a incerteza. As Forças Armadas são por isso o seguro de vida da nação, enquanto Estado independente. Concretizam de forma clara enquanto emanação de um vontade férrea do Portugueses no contexto Internacional, o próprio exercício da soberania sobre o que com muito custo, sacrifícios que tu e gente como tu nunca entenderão de vidas humanas, se construiu nos últimos nove século e que se chama Portugal.
Quando se pedem novos sacrifícios às Forças Armadas, é preciso lembrar que a elas sempre foram pedidos de forma constante ao longo dos últimos 25 anos, e elas sempre corresponderam, mesmo em período de vacas gordas. Essa retórica é por isso claramente demagógica, porque o exemplo tem que começar por cima, por quem dirige e está investido desse poder por sufrágio democrático. E o que se vê é uma sociedade corporativa, minada, e onde medram todo o tipo de interesses. É esta política de duplo critério que mais revolta os militares, pois sentimo-nos sempre tratados como cidadãos de segunda prioridade, com uma profissão que na retórica demagógica é importante, atente-se aos
discursos oficiais, mas que é desprezada na realidade pelo poder político instituído e pela corporação dos interesses instalados e companhia Lda que como lobos esfaimados atacam o Estado. São esses
interesses a principal causa do aumento descontrolado das despesas, só assim se compreende as ruinosas PPP - Parceria Público Privadas, as finanças regionais e locais fora de qualquer controlo (pois como sustentam as bases partidárias não dá jeito mexer nelas), um sistema de justiça mastodôntico que retira ao cidadão o direito à justiça e a própria crença neste, que prejudica a economia, etc. Foi assim que nas décadas de 1990 a 2010 este país desperdiçou uma oportunidade única de se renovar e actualizar, tornando-se competitivo e produtivo, o que nos conduziu ao estado actual.
Por isso quando vens engordar a retórica popular anti militar queremos lembrar-te do seguinte:

· Que prestas um mau serviço à Nação pelo combustível que atiras sobre uma fogueira de interesses ínvios que tem por alvo as Forças Armadas;
· Que estás na tua reserva (a ganhar o ordenado em casa sem prestar serviço) confortável, aos 48 anos de idade, e a gozar das "regalias" que criticas e sem nunca te teres sacrificado (que eu saiba) a sério pelo teu país;
· Que pelos vistos nunca te perguntaste se o que ganhas é justo. A nós que aqui continuamos no activo, a remuneração de que auferimos não nos pesa na consciência; se calhar não é o teu caso;
· Que na reserva ganhas mais que nós no activo, que devemos ser burros, pois isso é coisa que te faz confusão no teu cínico e invertebrado ser, que alguém prefira continuar ao serviço do que ir para casa aos 48 anos usufruir dos tais direitos que agora vens atacar, sempre com a pena afiada do economista douto autoproclamado;
· Que o que me parece que te motiva é um protagonismo espúrio e inconsequente que diz muito de ti, mas que não surpreende quem te conheça.
Por fim queremos partilhar contigo a nossa visão da Marinha de duplo uso: é uma Marinha de Guerra que em tempo de paz também executa as funções de Guarda Costeira com as sinergias e poupanças que daí se podem retirar, mas nunca a inversão desta ordem pelas razões acima referidas. Apreciaríamos ver essas tuas afirmações sobre a Marinha e o Duplo Uso fundamentada de forma séria, e não no tom de atoarda gratuita que sempre foi teu apanágio.
Para acabar, ocorre-nos transcrever-te um pequeno trecho da "Antígona" de Sófocles, que a nosso ver te assenta como uma luva: "Porque quem julga que é o único que pensa bem, ou que tem uma língua ou um espírito como mais ninguém, esse, quando posto a nu, vê-se que é oco".
Cumprimentos,
Zé Botelho

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