quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A REVOLUÇÃO DA MARIA DA FONTE

Revolução da Maria da Fonte

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

História de Portugal

Maria da Fonte, ou Revolução do Minho, é o nome dado a uma revolta popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista presidido por António Bernardo da Costa Cabral.

A revolta resultou das tensões sociais remanescentes das guerras liberais, exacerbadas pelo grande descontentamento popular gerado pelas novas leis que se lhe seguiram de recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas.

Iniciou-se na zona de Póvoa de Lanhoso (Minho) por uma sublevação popular que se foi progressivamente estendendo a todo o norte de Portugal. A instigadora dos motins iniciais terá sido uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fontarcada, que por isso ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte. Como a fase inicial do movimento insurreccional teve uma forte componente feminina, acabou por ser esse o nome dado à revolta.

A sublevação propagou-se depois ao resto do país e provocou a substituição do governo de Costa Cabral por um presidido por Pedro de Sousa Holstein, o 1.º duque de Palmela. Quando num golpe palaciano, conhecido pela Emboscada, a 6 de Outubro daquele ano, a rainha D. Maria II demite o governo e nomeia o marechal João Oliveira e Daun, Duque de Saldanha para constituir novo ministério, a insurreição reacende-se.

O resultado foi uma nova guerra civil de 8 meses, a Patuleia, que apenas terminaria com a assinatura da Convenção de Gramido, a 30 de Junho de 1847, após a intervenção de forças militares estrangeiras ao abrigo da Quádrupla Aliança.

A Revolução da Maria da Fonte (Abril e Maio de 1846)

O contexto da revolta 

A partir de 1842 foi instaurado em Portugal um regime, por muitos então considerado despótico, que tinha por líder António Bernardo da Costa Cabral, um dos chefes do movimento constitucionalista de 1842, apoiado, entre outros, por seu irmão José Bernardo da Silva Cabral, 1º conde de Cabral (daí a alcunha popular de governo dos Cabrais ou cabralismo).

Numa tentativa de criar as estruturas de um Estado moderno, Costa Cabral promoveu reformas e fomentou obras de vulto. Para conseguir tal desiderato, o governo começou a mexer em privilégios instalados e em hábitos muito arreigados. E, sobretudo, porque se tornava imperiosa a reorganização fiscal e o agravamento dos impostos, Costa Cabral foi obrigado a promover medidas de alteração da estrutura fiscal, com a introdução da contribuição predial. Contra estas medidas insurgiram-se espontânea e violentamente a população rural.

Com o governo mantendo um reformismo que exacerbava os grupos miguelistas inimigos da implantação do liberalismo. O descontentamento ia crescendo rapidamente, acordando ressentimentos remanescentes das guerras liberais da década anterior. Estes primeiros vencidos mas com um governo na clandestinidade, com D. Miguel no exílio, servindo-se dos seus simpatizantes, alimentavam e aproveitaram o descontentamento popular, sonhando restaurar o absolutismo. Nas zonas rurais mais distantes e sujeitas a maior consciência religiosa, sobretudo no Alto Minho e em Trás-os-Montes, pontificavam os agentes mais avessos à implantação de partidos políticos e ferozmente anti-liberais. Na verdade, a guerra civil entre liberais e miguelistas, apesar de oficialmente terminada a 26 de Maio de 1834, com a assinatura da Convenção de Évora-Monte, continuava a dividir os portugueses.

Neste contexto de acesa contestação ao governo, o surgimento de novas exigências fiscais, o recenseamento da propriedade e a feitura de matrizes prediais, significativamente chamadas pelo povo as papeletas da ladroeira, para apuramento do imposto e um maior rigor no recrutamento militar levaram o ânimo das populações rurais ao rubro. O rastilho foi contudo uma matéria que aparentemente teria menor impacto: por decreto de 28 de Setembro de 1844 tinham sido proibidos os enterros nas igrejas e imposto o depósito dos restos mortais dos falecidos, depois de registo do óbito e obtida licença sanitária, em cemitérios construídos em campo aberto.

Por via da nova regulamentação dos serviços de saúde, o povo teria de romper com a tradição multissecular de enterrar os defuntos nas igrejas, esperar que o delegado de saúde certificasse o óbito e, ainda, pagar as despesas do funeral.

Inicialmente a determinação foi largamente ignorada, já que eram poucos os cemitérios, pois apesar da lei das taxas e da construção de cemitérios datar de 21 de Setembro de 1835, nunca fora cumprida dada a pobreza em que se vivia na época, agravada pela crise económica resultante da guerra civil e pela praga da batata e a seca que tinham assolado o país durante boa parte da década anterior. Contudo, quando as autoridades decidiram impor as novas regras de enterramento, o povo, empolgado pelo ressentimento acumulado, insurgiu-se violentamente contra o que considerava ser uma prepotência dos políticos liberais.

O próprio clero mais conservador falava da lei da proibição dos enterros nas igrejas como anti-religiosa e como tendo a chancela do diabo e da Maçonaria.

Para complicar a situação, a rainha D. Maria II, que a 8 de Setembro de 1845 tinha concedido o título de conde de Tomar a Costa Cabral, era vista como demasiado próxima dos Cabrais, não mantendo um distanciamento que permitisse resguardar a monarquia do descontentamento popular.

Maria da Fonte e os motins iniciais

Depois de múltiplos incidentes e arruaças isoladas, ocorridos um pouco por todo o país, mas com maior relevo no norte, o gatilho da revolta será um acontecimento deveras banal: a morte, a 21 de Março de 1846, da idosa Custódia Teresa, habitante do lugar de Simães na freguesia de Fontarcada, dos arredores da Póvoa de Lanhoso.

Quando na manhã do dia seguinte, 22 de Março de 1846, um grupo de vizinhos, onde predominavam mulheres, decide proceder ao enterramento da defunta na Igreja do Mosteiro de Fonte Arcada, sem autorização da Junta de Saúde e ao total arrepio das normas legais, as autoridades decidem intervir. A razão da dureza da intervenção parece dever-se a já ser aquele o segundo incidente do género naquele ano, pois há registo de terem ocorrido em Fonte Arcada graves distúrbios a 20 de Janeiro de 1846, aquando do enterro de José Joaquim Ribeiro, ali falecido.

No caso do enterramento de Custódia Teresa, o povo não permitiu que o comissário de saúde viesse atestar o óbito, tendo-o espancado, nem os familiares aceitaram pagar a taxa de covato. O enterro terá sido mesmo feito sem acompanhamento religioso, por o pároco ter recusado participar no desacato, embora o povo alegasse que o fazia por razões religiosas, pois que se o corpo fosse enterrado fora da igreja, noutro chão qualquer que não o do templo, o morto estaria desprotegido.

Talvez por considerarem menos provável que as autoridades agissem de forma violenta contra mulheres, parecem estas ter tido papel preponderante nos eventos e é às mulheres do lugar de Simães que se imputam as principais culpas. Esta imagem de liderança feminina também pode ter resultado da forma como o evento foi descrito pelas autoridades, que procuraram minimizar os incidentes atribuindo-os a grupos de beatas fanatizadas pelos apostólicos.

Perante os factos, as autoridades resolveram prender as cabecilhas da revolta e proceder à exumação do cadáver e à sua sepultura no terreno destinado a cemitério. Para tal a 24 de Março dirigiram-se à freguesia, tendo sido recebidas à pedrada pela população armada com foices, chuços e varapaus. Sem poderem exumar o cadáver, procederam à prisão de quatro mulheres que foram consideradas cabecilhas dos incidentes dos dias anteriores: Joaquina Carneira, Maria Custódia Milagreta, Maria da Mota e Maria Vidas.

Quando a 27 de Março as presas iam ser ouvidas pelo juiz, os sinos tocaram a rebate, reunindo o povo, que marchou do Cruzeiro até à vila para arrombar com machados as portas da cadeia. À frente deste grupo, confiadas de que não se atreveriam a atirar sobre as mulheres, estavam algumas jovens, entre elas, conspicuamente vestida de vermelho, Maria Angelina, a irmã do sapateiro de Simães, a qual terá sido a primeira a acometer à machadada a porta da cadeia.

Então, quando as autoridades procuravam identificar os insurrectos, a jovem Maria Angelina, que o irmão diria mais tarde ao padre Casimiro José Vieira (que incluiu o testemunho nos seus Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte) se estremava das mais apenas por estar vestida de vermelho, foi colocada no topo da lista. Como os circunstantes se recusavam a identificar os amotinados, ficou registada simplesmente por Maria da Fonte Arcada, depois abreviado para Maria da Fonte.

Contudo, sobre esta matéria as opiniões divergem, já que nos anos imediatos muitas foram as Marias da Fonte que apareceram pelo norte de Portugal, reclamando, com maior ou menor justiça, a glória do nome. A identificação com Maria Angelina, de Simães, que de facto foi processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso, parece a mais credível, já que o padre Casimiro José Vieira era um setembrista convicto, que teve importante papel nos acontecimentos da Revolução da Maria da Fonte e que viveu de perto os acontecimentos.

Outra explicação alternativa, que colhe elevada verosimilhança, dado o enquadramento social e político dos eventos, é a alcunha Maria da Fonte ser um epíteto desdenhoso lançado pelos políticos cabralistas para designar colectivamente as mulheres que, convenientemente para a versão minimizadora dos incidentes, pareciam liderar a contestação. Assim, em vez de uma Maria da Fonte, teríamos uma multidão de Marias. Depois, romantizado pela intelectualidade da época, a Maria da Fonte acabaria por transformada no epítome das virtudes guerreiras das mulheres do norte de Portugal, passando de defensora de ideias reaccionárias, materializadas em costumes atávicos, a genuína expressão do desejo de liberdade da alma popular. Afinal, é assim que nascem os mitos.

De qualquer forma, graças a Camilo Castelo Branco, o nome da taberneira Maria Luísa Balaio também recebeu grande atenção e, muitos anos mais tarde, em 1883, o jornal O Comércio de Portugal ainda noticiava que Na noite de 7 para 8 de Dezembro de 1874, faleceu na freguesia de Verim, Ana Maria Esteves, natural de Santiago de Oliveira, casada com António Joaquim Lopes da Silva daquela freguesia de Verim e que fora a famigerada Maria da Fonte. Tal é a força da fama.

(continuaremos a publicar, nos próximos dias, mais informação sobre esta revolta popular)

Hino da Maria da Fonte

 

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