sexta-feira, 21 de outubro de 2011

COLECÇÃO OUTONO-INFERNO!

Colecção Outono-Inferno!‏

Estamos muito pior do que supúnhamos. Do que nos diziam. Hoje. Ontem. Há um ano. Amanhã? Amanhã... Que gente sem passado nos tirou o futuro? Que miséria é esta, de que só se sai entrando nela? Que justiça social é possível, se há tantos condenados mas faltam culpados? Sede bem-vindos ao novo OE. 2012 será talvez o ano mais longo das nossas vidas.

Este OE não é bom nem é mau. Não é sequer o Orçamento possível. É um orçamento desesperado contra a tragédia. É uma bala única para acertar num alvo. É um Houdini algemado dentro de uma camisa-de-forças fechado num aquário de água salgada. É saltar à vara com um junco, agarrar mercúrio com os dedos, é invocar os deuses para quem os tem, os mártires para quem se dedica e os heróis em quantos se encontram. Vítor Gaspar é um Salieri com missão de Mozart. Este é um OE de alto risco. Para a economia. Para os portugueses. Para o Estado. Para si próprio.

Os cortes brutais na função pública e as reduções abruptas nos salários líquidos da iniciativa privada são uma queda dramática do rendimento disponível dos portugueses. De um dia para o outro. Como um avião que cai num poço de ar, os trabalhadores por conta de quem quer se seja, incluindo de si mesmos, perdem rendimento.

Silva Lopes, primeiro, e Vítor Bento, depois, foram apedrejados na praça mediática quando disseram que os salários cairiam, assim se quisesse ou não. Assim é. No Estado, cai o salário bruto. No privado, cai o salário à bruta. A redução das deduções fiscais assim o ditará, com tabelas de retenção agravadas. Com o tempo virá a imitação: as empresas negociarão com os trabalhadores redução de salários e de horários.

Nada disto é, no entanto, política económica. É apenas um reflexo, uma reacção, um instinto de quem põe as mãos à frente dos queixos antes de cair. Não há estratégia, há aflição.

Não ficámos assim num ápice mal-humorado do destino. O PSD foi infantil e apressado quando chumbou o PEC IV, o que nos fadou à intervenção externa e à razia dos "ratings". O PSD foi infantil e apressado quando prometeu cortes que falhou em fazer e deu murros nas mesas debaixo das quais agora se esconde. Os Rambos da direita ficaram com voz fininha. Mas este descalabro, tendo raízes antigas e ramos externos, entroncou-se com Sócrates. Com o PS. Sem infância nem pressa: a delapidação foi teimosa e persistente. Sobretudo depois de 2008.

Um exemplo indesmentível: as parcerias público-privadas. Se procuram crimes sem guerra, eles estão aí. Basta abrir este Orçamento e ler o que para lá vai sobre PPP. O que era negócio seguro é uma sangria para décadas. Sobretudo nas estradas: a conta para o Estado sobe mais 4,8 mil milhões. O prazo para o equilíbrio financeiro é adiado mais dez anos. Para 2039.

Todas estas infra-estruturas estão a rebentar nas contas do Estado. A EP é uma gangrena. As PPP das estradas estão falidas e o prejuízo será público. Por cada obra que se pára - na ferrovia, nas estradas, nos aeroportos, nos hospitais - há uma factura para o Estado pagar. Não foi por falta de aviso. De milhares de avisos. Não há responsáveis?

Há uma órbita de falências à volta do Estado. Como as PPP. Mas também como as empresas públicas. Lê-se a entrevista de Vítor Gaspar nesta edição e não se acredita: o ministro das Finanças não sabe ainda quais são todas as necessidades de financiamento das empresas do Estado. Tem "estimativas".

PPP, sector empresarial do Estado, ocultação de despesa na Madeira são exemplos recentes e escabrosos de uma realidade aflitiva: o Estado está sem controlo. Por isso, o maior risco de toda a execução deste Orçamento não é sequer que as receitas fiscais derrapem com crescimento económico a menos e evasão fiscal a mais. É que o Estado continue em roda livre. É que se se descubram mais esqueletos nas esquinas dos armários. É que seja sempre preciso mais austeridade para pagar mais buracos.

O passado não ficou lá atrás, perdura sob a forma de dívida para a frente. A ocultação. A suborçamentação. A desorçamentação. A "economia paralela" do Estado. A "hora da verdade" de que o ministro das Finanças falava é esta. Não gostamos do que vemos mas eis-nos finalmente nus.

Este Orçamento não tinha alternativa hoje porque não fizemos nada ontem e será agravado se assim for amanhã. Hoje, não estamos mais a trabalhar para impressionar as agências de "rating", convencer os mercados ou persuadir a troika. Estamos no limiar da subsistência financeira, dependente dos financiamentos da intervenção externa que mesmo assim não chegarão para o período até final de 2013.

O melhor que nos podia acontecer era darem-nos mais tempo. Mais um ano para distender esta pressão recessiva brutal que enfrentamos no próximo ano. Mas esperar que a troika seja caridosa é a forma errada de conquistar.

O nosso défice terá de ser em 2012 quase do mesmo valor que foi nos primeiros seis meses de 2011. É dose cavalar. Pode matar a economia. E por isso o Governo tem de fazer mais. Cortar sem ser apenas nos salários da função pública e dos pensionistas, pois isso é um corte extraordinário, não é uma mudança estrutural. Tem de reduzir institutos. Tem de se deixar de privilégios a uns, protecção a outros, cedências a lóbis. Por que razão não se fez o despedimento nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo prometido para Setembro se depois se amputa toda a função pública em Outubro? Por que razão se ressalvam indivíduos para depois disparar sobre a multidão?

Passámos dos orçamentos contorcionistas para os orçamentos contraccionistas. O Estado está sem estratégia. A banca está com a cabeça a rodar. A política económica terá de ser feita pelas empresas. A produtividade, a inovação, a exportação, a internacionalização são as únicas vias respiratórias activas. Por isso, desengane-se se pensa que é cada um por si. É todos juntos: ou até à tragédia ou até à vação. Apostemos na salvação.

Nada disto é justo. Mas é o que sobra. A esperança e a dedicação. A solidariedade e a cooperação. O génio e o trabalho, quem o tem. Boa sorte. Vamos precisar dela. O pior é até ao FMI da Primavera. Ainda estamos no Outono. E entre as duas está o Inferno.
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MHelena Dores (Harmonia)

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