quinta-feira, 28 de abril de 2011

ANGOLA - OS EQUÍVOCOS DO PRESIDENTE DO MPLA




Justino Pinto de Andrade
1. O presidente do MPLA discursou perante o seu Comité Central, na reunião preparatória
do próximo Congresso e fez declarações que não podem ser deixadas sem resposta, pelas repercussões que tiveram sobre a nossa sociedade. Neste texto, vou debruçar-me somente sobre algumas questões, sobretudo as que têm um carácter mais político.
Para uma melhor compreensão, e sempre que possível, socorrer-me-ei da apresentação das
suas palavras e, depois, passarei a comentá-las.
2. Sobre os primórdios da constituição dos novos Estados em África, José Eduardo dos Santos
assinalou o facto de, em vários países, os processos revolucionários terem culminado com “a organização de Estados ou sistemas políticos de partido único, em que a base do sistema económico era o capitalismo de Estado erigido na base de um conjunto de empresas
do Estado”. E prosseguiu: “Nalguns casos, como foi o nosso,o processo revolucionário teve carácter de classe e levou à tentativa de configuração de uma ditadura democrático-revolucionária, com um sistema de governo socialista baseado no plano económico único
e na direcção centralizada da economia”. De seguida, reconheceu que qualquer um dos modelos falhou, pois “não foram capazes proporcionar o exercício das liberdades e garantias fundamentais e o advento da prosperidade económica e social”.
3. É bom que, finalmente, JES tenha reconhecido que, durante quase duas dezenas de anos,
dirigiu uma “ditadura”, embora a tenha ornamentado com a expressão “democrático-revolucionária”. Na realidade, o regime que JES herdou de Agostinho Neto, e que depois dirigiu entusiasticamente, foi somente uma ditadura, pois suprimiu todas as vozes políticas
dissonantes e não deixou sequer espaço para a organização da sociedade civil. As únicas organizações aceites eram aquilo a que, pomposamente, chamavam de “as correias de transmissão do partido”, diga-se, do MPLA.
4. É bom, também, que JES tenha reconhecido o falhanço do seu e do outro modelo que refere,
e, sobretudo, que tenha dito agora, publicamente, que eles aprisionaram “o exercício das liberdades e garantias fundamentais”. Em consequência, tornaram-se num obstáculo ao desenvolvimento económico e social. Assim, e apenas por este facto, está pois declarado
que a causa do nosso actual subdesenvolvimento tem que ser partilhada pelo passado colonial,
pela guerra civil e pelas opções políticas erradas daqueles que nos governaram. Logo, por JES que nos governa já lá vão 32 anos.
5. Faz também alusão a uma suposta “revolução pela democracia representativa e a economia
de mercado em quase todo o continente africano”. Intriga-me esta constatação quando é sabido
que, no caso de Angola, a passagem à democracia representativa foi sempre apresentada como tendo sido uma verdadeira “doação” do MPLA e não como o fruto da conjugação de esforços de forças opositoras com a pressão da sociedade civil emergente. Nunca me pareceu que o MPLA tenha conduzido uma qualquer “revolução”, dado que os protagonistas do partido único e da ditadura foram, afinal, os mesmos que, depois, vestiram as vestes “democráticas”.
6. De um dia para o outro, os arautos do partido único alteraram o seu discurso teórico. De
um dia para o outro, os mesmos de antes passaram a defender o que antes condenavam com enorme veemência (e até reprimiam com acentuada violência) e, de seguida, iniciaram uma frenética cavalgada para se colocarem na vanguarda do capitalismo que diziam odiar… Mas, infelizmente, já tinham provocado o descalabro da nossa economia e desarticulado o alicerces da nossa sociedade…
7. JES fala ainda numa “alternância democrática” promovida nos novos regimes instalados em
África. É suposto que não estaria a falar em Angola. É suposto que não estaria a referir-se a
países onde os presidentes e os seus partidos políticos ganham eleições com mais de 80% dos
votos e se eternizam no poder por dezenas de anos. Isso não é típico das democracias, mas,
sim, do modelo soviético de triste memória…
8. Para haver alternância democrática tem que haver uma verdadeira democracia e não as
mascaradas democráticas que se foram consolidando nos últimos anos. Por norma, em África, as forças políticas no poder procuram, sim, manter uma aparência democrática, torpedeando todas as regras de jogo que permitem que haja alternância democrática.
São poucos os países africanos em que a regra não seja essa. De tal modo que a nossa organização continental, a União Africana, já se transformou num espaço em que, há dezenas de anos, se reúnem amigos de velha data…
9. É verdade, como diz JES, “Hoje há uma certa confusão em África”. Mas, já não é verdade
que haja quem queira “trazer essa confusão para Angola”.
10. Talvez ele não tenha percebido, mas eu esclareço: A confusão que existe em África não está
a pôr em causa regimes democráticos nem presidentes genuinamente democratas. A confusão
que se instalou em alguns países africanos resulta, sim, do facto de haver quem pense que o poder lhe foi outorgado como se fosse um dote pessoal e transmissível para os seus descendentes, ou para quem lhes interesse. É assim em África, é assim também no Médio
Oriente. Se ainda subsistirem dúvidas, procuremos então no mapa o país democrático que esteja, neste momento, a ser objecto de uma revolução democrática. São as ditaduras que estão ser questionadas e, por isso, quem por elas nutrir simpatias é porque a carapuça lhe serviu…
11. Dizer que os lutadores pela democracia nesses países são “os oportunistas, os intriguistas e
os demagogos” e que, afinal, eles “querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade” não é justo. E torna-se espantoso vindo da boca de quem se apresenta como dirigente de um país democrático. O correcto seria ouvirmos da boca de JES manifestações de solidariedade para com os democratas desses países e, porque não, também, para com
os do seu próprio país.
12. Pelo que percebi, JES mostrou alguma incomodidade perante a expansão das redes
sociais e pelas manifestações públicas que não sejam de louvor e/ou bajulação. Na realidade, as chamadas redes sociais são um fenómeno da nossa época e que tanto podem ser usadas para o
bem como para a prática de actos inconvenientes. Porém, é um erro transformá-las no inimigo a abater. O que temos de abater é o silêncio imposto pelo medo e pela chamada “lei da rolha”. O que temos de abater é o desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais está, claramente, o direito à informação e à manifestação.
13. O direito à manifestação está consagrado na Constituição da República e a lei ordinária que
lhe é dedicada não obriga a sua autorização. Não pode, por isso, o presidente do MPLA transformar- se no porta-voz dos poucos angolanos que julgam que a manifestação de sinal contrário deve ser reprimida.
14. Agora já entendo porquê que os Governadores Provinciais abusam do direito de impedir
toda a manifestação que não tenha como objectivo louvar e/ou bajular.
15. Sinto que não me resta espaço para comentar as outras matérias que o presidente do MPLA
abordou no seu discurso. Talvez seja possível fazê-lo numa próxima ocasião.





(ARTIGO PUBLICADO NO SEMANÁRIO ANGOLENSE EDIÇÃO 413, da autoria de Justino Pinto de Andrade)

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