quarta-feira, 30 de março de 2011

AS TRÊS PRIMA-DONAS PORTUGUESAS


Talvez houvesse quem ainda esperasse um milagre: o da transfiguração dos agentes políticos de primeira linha em estadistas de primeira água. Mas não há milagres destes na política portuguesa dos nossos dias. Para inverter a lógica perversa da bravata ou da indiferença, impostas pelo interesse particular dos protagonistas com poder de decisão neste processo - começando por Sócrates, Passos e Cavaco -, era preciso que cada um se armasse de uma boa dose de humildade. Só que nenhum deu mostras de perceber como a humildade pode ser a mais ousada demonstração de coragem.


Se houvesse dúvidas quanto à intencionalidade de Sócrates, ao esticar a corda para que partisse no ponto mais vantajoso para si próprio, o comportamento da última semana desfê-las completamente.


Revelando já dificuldade em suster a ânsia do partido pelos carros pretos do poder, o líder do PSD caiu no engodo de Sócrates ao recusar-se a negociar, sabendo perfeitamente que o desfecho do braço de ferro seria a queda do Governo. Não se percebeu muito bem se era isso, efectivamente, o que pretendia. Mas a falta de humildade e, neste caso, também de clarividência, colocaram-no na posição delicada de causador da crise, aos olhos do país e do mundo, dando a Sócrates o papel de vítima de uma oposição irresponsável.


Já do Presidente da República se esperaria que tivesse aproveitado o ensejo para explicar o que é a sua "magistratura activa". Esta deve ter sido a primeira crise política que se desenvolveu e culminou na demissão de um primeiro-ministro, sem que se ouvisse uma palavra do Presidente, a não ser para dizer que nada podia fazer. Também aqui faltou o rasgo e a grandeza...


A leitura só pode ser uma: o Presidente acompanhou com gosto a queda do Governo, pois era esse o seu objectivo não declarado do seu discurso de posse...


Todos estes comportamentos seriam legítimos noutras circuntâncias. Mas sucede que os líderes em causa são os mesmos que andam a dizer, há mais de um ano, que uma crise política em cima da crise da dívida pública seria o pior que podia acontecer a Portugal. Ora o pior está a acontecer.


Comportaram-se como prima-donas incapazes de ceder no seu orgulho e nas suas conveniências a favor do que eles próprios consideravam o interesse geral. Não podem agora esperar compreensão e aplauso de quem vai pagar duramente o preço da sua arrogância.

(Excertos de um texto de Fernando Madrinha, publicado no Expresso de 26 de Março de 2011)

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